O turismo continua a ser uma das principais fontes de riqueza de Portugal e o interior do país tem vindo a ganhar mais destaque com propostas cada vez mais autênticas. O alojamento local em 2023 registou mais de 47 milhões de dormidas, segundo o diário de notícias, o que confirma o aumento da taxa de ocupação nesta área. Nesse mesmo ano, o Governo português lançou a “Agenda do Turismo para o Interior”, com um orçamento de 200 milhões de euros para investir na melhoria desta atividade. Nesta reportagem, focamo-nos em explorar três alojamentos locais, em três zonas distintas, cada um com a sua própria essência – em Quadrazais, nos Carregais e em Portel. Estes são espaços únicos no interior de Portugal que se distinguem tanto pela hospitalidade, já parte da sua própria identidade, como pela ligação à natureza e à cultura. Os alojamentos locais aqui apresentados, a “Casa do Manego”, as “Casas dos Carregais” e o “Cantinho da Bia”, tratam-se de alternativas cada vez mais procuradas, mais acolhedoras e autênticas, face aos hotéis tradicionais.
Quadrazais, a terra do contrabando
Situada no concelho do Sabugal, distrito da Guarda, a freguesia de Quadrazais conta com 380 habitantes, de acordo com o censo de 2021. Localiza-se na zona raiana, junto às margens do rio Côa, no sopé das Serras da Malcata e Mesas, no planalto do Sabugal. A sua história caracteriza-se especialmente pelos costumes contrabandistas, que começaram a aparecer desde o século XIII. Devido a estes constantes movimentos para lá da fronteira com a Espanha e a ilegalização dos mesmos, os intervenientes criaram uma gíria própria. Esta linguagem específica servia para os polícias e outros não entenderem do que se tratava as conversas entre os contrabandistas. É neste âmbito que surge o nome deste turismo rural, Manego (significado de homem na gíria quadrazenha).

Este alojamento local é cercado pela paisagem esverdeada da natureza com plano de fundo da Serra da Malcata e o rio Côa a 500 metros da propriedade. Projeto iniciado em 2004 por Ri Adalberto Dias Correia, conhecido como Rui Merinha pela população, e Colette Borrega Correia, filha de Rui e atual dona do estabelecimento. Como referido pela mesma, a história começou há algum tempo e desde sempre relacionada com a sua família, “O meu pai teve a ideia de transformar uma antiga fábrica de sabão de um tio dele, que passou depois para os pais. Foi adquirindo algumas propriedades ao lado e juntou tudo, formando este espaço, a Casa do Manego. Com esta ideia de fazermos um turismo rural, que foi aberto ao público em 2009.”
A tradição antiga da utilização do xisto foi mantida na construção da casa. Ao longo do tempo, sempre se encontram dificuldades, “É preciso estar sempre disponível para os clientes, é primordial. Mas como gosto daquilo que estou a fazer e sempre gostei de receber em casa, é uma continuação, um bocadinho mais complicada. Há pessoas que chegam numa sexta-feira à noite de Lisboa ou do Porto, e o contacto direto é fundamental.” Colette menciona a adaptação de pessoas provenientes da cidade: “As pessoas que gostam muito de estar na cidade chegam aqui, bloqueiam. Para quem aprecia a natureza e o sossego, é o espaço ideal.” A Grande Rota do Vale do Côa é motivo de atração para estrangeiros, “Costumo receber pessoas de norte a sul de Portugal, muitos espanhois, brasileiros, ingleses, emigrantes e mesmo pessoas de Quadrazais. Também holandeses e franceses que vêm fazer a Rota do Vale do Côa, começam nos Fóios e vão até Vila Nova de Foz Côa, a pé ou de bicicleta.”
Durante a altura da castanha, dos cogumelos, dos santos, do Natal, da passagem de ano e do carnaval a procura continua significativa. Relativamente aos hóspedes, Colette contou uma história sobre uma receção que a marcou, “Também recebemos animais, pois hoje em dia é normal as pessoas trazerem o seu cão ou o seu gato. Há dois ou três anos, um casal que veio de Barcelona por vários dias trouxe um cão. A senhora que veio servir o pequeno-almoço ficou assustada, porque não só estava o cão, como também estava uma arara. Quando cheguei, a senhora avisou-me para ter cuidado pois estava outro animal para além do cão. Ao abrir a porta, lá estava a arara a voar dentro da sala. Foi muito caricato.” Para concluir, Colette mencionou os recorrentes problemas no interior referindo que “Todo o interior está desertificado, damos conta disso todos os dias. Seria preciso criar alguns postos de trabalho, não é fácil. São mazelas que vêm de há muitos anos. Não é agora com uma varinha de condão que as pessoas conseguem resolver esses problemas. Toda a gente se fixou no litoral e o interior ficou esquecido.”, finalizando com uma nota positiva, “Mas acho que isto vai melhorar.”
Carregais: a aldeia do xisto
Esta pequena aldeia escondida no concelho de Proença-a-Nova, no distrito de Castelo Branco, mantém viva a simplicidade e autenticidade dos meios rurais. Apesar do seu tamanho pequeno, a aldeia dos Carregais que conta apenas com 19 residentes, trata-se de uma zona rodeada de belas paisagens tais como praias fluviais, trilhos pedestres e miradouros naturais, que vem atraindo, ao longo dos anos, centenas de visitantes que procuram tranquilidade, repouso e natureza.
Neste contexto surgem as “Casas dos Carregais”, um projeto criado por Olga Lopes e Rui Martins, composto por sete casas distintas com nomes de árvores típicas da região: Ameixeira, Castanheiro, Cerejeira, Laranjeira, Limoeiro, Medronheiro e Oliveira. Este casal sempre viveu em Lisboa, no entanto a necessidade de tranquilidade tornou-se uma prioridade para ambos, como referido por Rui, “(…) e houve um dia que pensamos que estaria na altura de mudar de vida, ter um bocado de qualidade de vida mudando para o interior deixando um bocado a capital”. Mudaram-se para os Carregais e apostaram na reconstrução destas casas em pedra e xisto, mantendo sempre um design rústico e moderno.

Cada uma destas sete casas está totalmente equipada, seja para momentos entre famílias, casais ou amigos. Além do próprio alojamento, a experiência ganha ainda mais valor devido à natureza envolvente que inclui “vai desde os passeios (..) desde uma passagem pelo nosso projeto arquiteto Siza Vieira (…) depois temos praias fluviais (…)”, como acrescenta Rui, “temos também uma parte geológica, as Portas do Almourão”, e posteriormente Olga. No entanto, os proprietários também apontam o que ainda falta na zona. A falta de comércio, “(…) estamos numa aldeia onde não há comércio” afirma Olga, e de restaurantes próximos, tanto como de minimercados, são fatores que podem influenciar a escolha de possíveis turistas.
Nem tudo é um processo fácil quando se é proprietário de um projeto deste tipo. Entre clientes que não se dirigem ao sítio certo, a correria das limpezas, avarias inesperadas, “(…) há pessoas que têm tendência para sair mais tarde do que está previsto no check-out, e há pessoas que tendem a chegar mais cedo do que nós temos estipulado em termos de horários” como admite Olga, são fatores importantes no que toca a toda a logística associada a um alojamento local.
No entanto, apesar dos desafios ao longo do percurso, o esforço vale a pena e é reconhecido por quem os visita, “(..) a gente geralmente puxa a brasa à nossa sardinha, como se costuma dizer. Normalmente as pessoas gostam muito, não quer dizer que não haja uma pessoa ou outra que quando reserva não pensa bem o que isto é” afirma Olga, referindo que nem sempre corre tudo bem.
Portel: a capital do “Montado”
No coração do Alentejo, encontra-se a vila de Portel, que pertence ao distrito de Évora, contando, atualmente, com cerca de 2.410 habitantes na sede do município (Portel) e um total de 5.747 no concelho. Esta vila é conhecida pelo seu castelo medieval, paisagens vastas e tradições gastronómicas, Portel é um lugar onde o tempo parece abrandar. Apesar de enfrentar desafios como o despovoamento, a vila tem vindo a destacar-se no setor do turismo, apostando numa experiência mais pessoal e autêntica.

Foi neste contexto que nasceu o “Cantinho da Bia”, um alojamento criado por Maria Mata, ou “Bia”, o nome pelo qual é conhecida, e Pedro Patinho, um casal da terra que transformou uma antiga casa num espaço moderno, mantendo, no entanto, a essência alentejana. Maria explica: “Decidimos os dois fazer alguma coisa da casa, uma vez que não precisaríamos dela para morar. E assim surgiu o Cantinho da Bia, que é um bocadinho alusivo ao meu nome. É um cantinho pequenino e é da Bia”.
Inaugurado em outubro de 2022, o espaço é conhecido pela hospitalidade dos proprietários. “Gostamos muito de receber pessoas, de acolher e fazer o próximo sentir-se em casa, como nós gostamos de ser recebidos”, diz o casal. A proposta conjuga o tradicional com o contemporâneo: no exterior, as cores típicas do Alentejo; no interior, um toque moderno que assegura conforto. “Queríamos que as pessoas se sentissem como na sua própria casa, mas com o ambiente do Alentejo”, explicam.
Os hóspedes são recebidos pessoalmente e, muitas vezes, brindados com pequenas iguarias locais, como vinho, biscoitos ou queijos, consoante a época do ano. “O primeiro contacto é mesmo o saber receber. Depois, temos sempre um miminho para oferecer. Depende da época, mas tentamos sempre dar algo da região”, partilham. Os proprietários fazem ainda questão de dar a conhecer o que Portel tem de melhor, desde o miradouro de São Pedro até às praias fluviais. “Temos um livrinho com informações úteis, mas também dizemos sempre onde é que nós próprios gostamos de ir, onde fomos bem recebidos”, contam.
O casal gere o espaço sozinho, ocupando-se Pedro da parte tecnológica e Maria da limpeza e organização do alojamento. “Temos o alojamento no Booking e no Airbnb, mas não usamos um channel manager, preferimos fazer tudo nós”, assumindo-o como uma forma para garantir a qualidade.
“Queremos garantir que tudo está perfeito. Não queremos ser aqueles alojamentos em que a pessoa chega e não há ninguém para a receber. Já tivemos clientes que reforçaram isso: adoram ser recebidos, conhecerem as pessoas”, explicam. No fundo, o “Cantinho da Bia” representa o melhor do interior de Portugal, num mundo onde tanto se fala de sustentabilidade e turismo responsável, talvez esta simplicidade com carinho seja o caminho mais verdadeiro.
Para finalizar, é de referir que o alojamento local no interior de Portugal tem vindo a afirmar-se como uma alternativa autêntica, acolhedora e profundamente ligada às raízes culturais e naturais do país. Lugares como a “Casa do Manego” em Quadrazais, as “Casas dos Carregais” em Proença-a-Nova e o “Cantinho da Bia” em Portel mostram que, apesar das dificuldades logísticas e da desertificação que ainda marca o interior, é possível criar experiências únicas que conquistam cada vez mais visitantes, nacionais e estrangeiros. Estes espaços não são apenas opções de estadia, são também projetos de vida, sustentados pela dedicação dos seus proprietários, que veem o turismo como uma forma de revitalizar o território. Ao apostarem na hospitalidade, no contacto direto e no respeito pelo ambiente e pelas tradições, estes alojamentos revelam que o futuro do turismo pode (e deve) passar pelo interior, onde o tempo corre mais devagar, mas a autenticidade fala mais alto.
