O Museu de Arte Sacra da Covilhã veste-se de cores e texturas. Flores

de cerâmica explodem pelo espaço. Ao lado, quadros de cor dialogam
com essas formas tridimensionais: traços vigorosos, paletas que gritam alegria ou sussurram introspeção. Assim se apresenta Caminhos — não como uma simples exposição, mas como uma conversa sensorial entre duas linguagens que partem do

mesmo lugar: a urgência de transformar sentimento em forma.
Patente até 8 de dezembro, a mostra reúne as obras de Joana Santos, ceramista, e Elizabete Santos, pintora. Mãe e filha, duas artistas que dividem não apenas o espaço expositivo, mas o próprio ato de criar — um caminho que começou no nascimento e se estende pela arte, pela busca e pela necessidade constante de expressão.
O barro que respira: o caminho de Joana Santos
Para Joana Santos, o título Caminhos marca cinco anos de percurso profissional como ceramista — embora a relação com o barro venha desde 2016. O ponto de viragem foi o encontro com o figurado de Estremoz, tradição que a levou a abandonar o emprego e a dedicar-se por inteiro à criação.

“Para mim é importante que as pessoas percebam que, como tudo na vida, é
um ponto de partida. É um caminho. Mas o caminho nunca é linear.” Desmistificou Joana acerca o nome da exposição.
Quando o museu a convidou para expor, percebeu que aquele caminho podia crescer. O diálogo com a mãe surgiu naturalmente, transformando a mostra numa narrativa a duas vozes.
“Esta exposição nasceu de um convite da Dona Leo, coordenadora do museu. Pensei que seria uma boa ideia, uma vez que eram cinco anos de carreira oficial. Mas depois percebemos que havia espaço para outro artista, e fez-me sentido incluir a minha mãe.”
Nas suas peças pulsa o universo feminino: a maternidade, a identidade, o dilema entre ser e não ser. No tríptico Mulher do Verbo Ser, três esculturas em barro vermelho traçam as fases da vida — nascimento, existência e essa morte simbólica que acompanha cada mudança. Outras obras exploram a presença masculina, o equilíbrio entre forças, a necessidade de harmonia.
“Tudo desafia a cerâmica”, diz Joana, sorrindo. “É uma matéria muito frágil,

tal como a vida. Podemos planear tudo muito bem, mas até a peça estar completa — até chegar à casa de alguém — pode acontecer muita coisa. É uma metáfora da vida.”
A cor que pensa: o traço de Elizabete Santos
Elizabete Santos desenha desde sempre. Carrega sempre consigo um bloco de esboços, desenha até às três da manhã se lhe apetecer, e diz com modéstia que “o que faz é mais colorir desenhos” — embora a sua arte seja tudo menos simples.
As suas obras partem da atualidade. Notícias de refugiados, conversas de rua, fragmentos do quotidiano que transforma em traço e cor. Pertence aos Urban Sketchers, grupo que desenha o mundo em tempo real, sem retoques nem pretensões de perfeição.

“Vocês têm que aprender com a natureza, cores, sombras.. e tudo o que façam, tentei fazer aquilo que ainda não foi feito”, recorda a frase de Nelson Dias, professor que marcou todo o seu trabalho artístico. Tudo o que cria é regido por essa filosofia: a recusa da cópia, o impulso da originalidade.
Nas suas séries há o ciclo das mulheres em 28 dias, pais modernos apressados, galinhas que cacarejam — metáforas da energia mal canalizada do mundo.
“O que eu gostava que as pessoas levassem consigo é: todos somos capazes de desenhar, todos somos capazes de representar os nossos sentimentos”, diz Elizabete. “Se os homens das cavernas o fizeram, porque é que nós não haveríamos de conseguir?”

“Harmonia”, foi a palavra que escolheu para descrever a exposição.
Entre a alegria e a tristeza, as cores vibrantes e o silêncio, é a harmonia — o estar bem consigo mesma — que quer que o público leve dali.
O museu como espaço de encontros
Para Carlos Madaleno, coordenador do Museu de Arte Sacra, Caminhos traduz a missão do espaço: promover o encontro entre artistas, públicos e linguagens.
“Mensalmente temos exposições de artistas diferentes. Tentamos articular criadores locais com artistas de fora, de forma a gerar intercâmbio e crescimento mútuo.”
Nesta mostra, a ligação entre mãe e filha revelou-se particularmente simbólica: duas abordagens distintas que, juntas, constroem uma

coerência inesperada.
“Damos a conhecer o trabalho dos artistas locais e tentamos permitir-lhes esse intercâmbio com uma arte que se vem prolongando no tempo”, acrescentou.
Quando a arte fala a todos
Entre os visitantes, Maria Eduarda observava atentamente as cores e texturas.
“Queria ver de relance um quadro de uma das artistas e, assim que soube que havia também cerâmica, percebi que seria uma junção espetacular. As cores dos quadros e o brilho da cerâmica dançam muito bem juntos.”
Destacou especialmente o ciclo das mulheres criado por Elizabete e o “Amor é cego” de Joana.
“Adorei tudo. As cores, a disposição das peças. Para mim, esta exposição é sobre o sagrado feminino — a feminilidade, a multiplicidade da mulher.”
Entre o público estava também Veronika Blyźniowczenko, artista ucraniana residente em Lisboa, que veio conhecer a Covilhã e acabou

por se deixar surpreender.
“Desde que cheguei, fiquei encantada. Esta cidade é cheia de história e calor humano. O meu coração sente-se em paz aqui.”
Veronika descreveu a visita como “uma oração respondida” e revelou que regressará à Covilhã em março e abril, com exposições próprias no mesmo museu.
A cidade que cria: palavras da vereadora Regina Gouveia
A vereadora da Cultura, Regina Gouveia, contextualizou Caminhos dentro de uma estratégia mais ampla: a de consolidar a Covilhã como território de criatividade e experimentação.
“Esta exposição reflete caminhos no sentido em que traz artistas de vários territórios, com linguagens diferentes. Essa diversidade é o caminho que temos vindo a trilhar.”
No mesmo dia, a cidade celebrou a sua condição de Cidade Criativa

da UNESCO, na categoria de design, e abriu oficialmente a Semana Criativa.
“Conseguimos ligar entidades, escolas, universidade, artistas, designers, empresas.
Sente-se uma diferença grande. Há uma verdadeira ligação entre as pessoas e a cultura.”
O fim que é sempre um recomeço
Caminhos é mais do que uma exposição. É uma travessia entre matéria e emoção, entre o gesto e o olhar.
Nas mãos de Joana, o barro transforma-se em metáfora da fragilidade humana; nas cores de Elizabete, a vida quotidiana ganha um brilho novo.
Ambas, à sua maneira, recordam que criar é continuar — mesmo quando o forno falha, mesmo quando a linha treme no papel.
É isso que esta mostra celebra: o caminho sem fim da arte e da partilha.
Patente no Museu de Arte Sacra da Covilhã até 8 de dezembro, Caminhos convida a parar, observar e sentir — porque talvez, no fundo, todos tenhamos um pouco de artista dentro de nós.













