Há um ponto de partida assente: a recolha de dados é necessária até para produção de políticas públicas assertivas e para movimentos sociais. “No Brasil, por exemplo, não são feitos censos à população negra, logo, a recolha de dados pode ajudar a combater as desigualdades no sentido de nos mostrar dados concretos sobre condições de educação e de trabalho”, começa por dizer Joana Monagreda.
Mas, onde chegam os nossos dados, o nome, a data de nascimento, os aspetos biométricos? A pergunta pode assustar, sobretudo numa fase em que há uma “banalização da recolha dos dados pessoais”, como lembra Joana Monagreda, caso das redes sociais, por exemplo, onde as ações são cada vez mais monitorizadas.
A investigadora venezuelana, do Data Privacy Brasil Research, fala na existência de uma política do medo, até em alguns Estados, com vigilância reforçada, o que garante uma sensação de segurança, por um lado, mas de desconhecimento, por outro. “Nós não temos informação sobre o que acontece a muitos dados que nós fornecemos inconscientemente, no ginásio, por exemplo”, refere, avisando, ao mesmo tempo, que o conceito de privacidade deve ser avaliado em função das “desigualdades estruturais da sociedade”.
Rosa Franquet, da Universitat Autònoma de Barcelona, em Espanha, avisa que há vários espaços que não se conseguem controlar, nem com políticas públicas. Está identificado um problema de justiça social: “estabelecer os limites de como proteger os dados”.
A investigadora diz que “se foi mesmo a cidadania que gerou todos estes dados, não é justo que sejam empresas privadas as que beneficiam com estas informações”. A necessidade de regulamentar esta matéria é urgente e Joana Monagreda considera que se deve pensar na proteção de dados com foco nos direitos humanos: “Continua a ser pensado para o mercado, mas devia pensar-se de que forma é que a colheita de dados pode trazer benefícios sociais”.
A investigação na linha de horizonte
Para Paulo Serra, da Universidade da Beira Interior, entender o fenómeno das tecnologias digitais e da internet, sobretudo no que diz respeito ao chamado “capitalismo de vigilância”, e à utilização de algoritmos e inteligência artificial, passa por “uma abordagem multidisciplinar, que cruze a sociologia, a história, a filosofia, etc.”.
O docente e investigador considera que a inteligência artificial coloca problemas à educação em termos éticos, políticos e até epistemológicos e que “os algoritmos têm produzido impactos profundos no emprego, produção, empreendedorismo, e modelos de negócio”, abrindo uma reflexão sobre temas a investigar.
A verdade é que a reflexão sobre esta temática exige um olhar global e por isso é importante “obrigar as instituições a implementarem políticas sobre operações tanto no plano público como no privado”, refere ainda Rosa Franquet, uma vez que a “utilização das tecnologias provoca sérias preocupações sobre a privacidade e os direitos básicos da cidadania”.
Paulo Serra defende que “tem que haver um movimento da sociedade civil, e por parte dos poderes políticos” para a regulamentação de muitos aspetos da internet que dizem respeito à vida dos cidadãos.