O palco abre-se com os intérpretes a dançar e a jogar com a bola junto aos mini Capitães da Areia, convidados a integrar a cena em cada cidade que se apresentam. Ao trazer para a realidade a história dos menores abandonados que crescem nas ruas de Salvador, o coreógrafo confronta o público com temas sociais atuais através da expressão corporal de jovens e crianças. A peça foi levada à cena no dia 27 de maio, no Teatro Municipal da Covilhã.
O texto de Margem, escrito pela dramaturga Joana Craveiro, estreou em janeiro de 2018 com uma história de 1937, mas que não é “só de 1937”. No cenário da peça, reproduz-se o trapiche da praia de Salvador da Bahia da obra de Jorge Amado. Sobre colchões dispostos no palco, os jovens atores encenam as memórias dos “Capitães da Areia” que hoje vivem em instituições, como a Casa Pia de Lisboa e o Instituto Profissional do Terço, no Porto.
O director do espetáculo assume que “A realidade da história de Jorge Amado continua a passar hoje de outras formas, felizmente, porque existem essas instituições”. Ao questionar-se onde estariam as crianças vulneráveis da obra nos dias de hoje, Victor ouviu crianças órfãs e que foram retiradas dos pais sobre “a relação que elas têm uns com os outros e com a própria família, quais são os seus sonhos, quais são os seus medos, o que é que acontece à noite quando a luz se apaga e que pensamentos lhes vem à cabeça”. Segundo Pontes, houve muitos silêncios e muitas lágrimas que são representados em Margem.
“O miúdo mais novo aqui hoje tem menos de 12 anos e a esse eu disse para não ler o livro, porque o livro retrata temas que não são para essa faixa etária”. Pontes adianta que o contexto social no qual Capitães da Areia se passa é explicado às crianças e “elas têm um ponto de vista muito sensato perante o tema, por isso achamos que não há absolutamente nada para esconder. Porque nada daquilo que é encenado tem uma carga para além do que é”.
A participação ativa dos intérpretes na produção do espetáculo é percebida pelo público quando o intérprete brasileiro, Magnum, opina que “esta história passa-se no Brasil e o Brasil é diferente de Portugal”. A situação ocorreu durante os ensaios e foi-lhe pedido que explicasse as diferenças, “ele nos fala dessa realidade que é a expansão marítima, chamada de Descobrimentos pelos portugueses e de genocídio ou de outras coisas pelos brasileiros, que resulta do encontro entre os dois povos”, revela o director de Margem.
Da Bahia de Jorge Amado, Victor Hugo Pontes extrai os movimentos da capoeira – espécie de dança e luta criada pelos negros escravizados. “Eu quando penso em movimento do Brasil, é este movimento que me vêm à cabeça, a capoeira”. O coreógrafo adiciona a essa influência as danças urbanas, como o hip-hop, o breakdance e outros movimentos contemporâneos nos momentos mais introspectivos.
Após subir ao palco do Teatro Municipal da Covilhã, o espetáculo Margem será reencenado em novembro deste ano. O director afirma que pretende retomar a circulação da peça estreada em 2018. “Por isso mesmo, em janeiro deste ano fiz novas audições, para o espetáculo poder continuar a ser apresentado”. Com o passar dos anos, os intérpretes crescem e são substituídos, “porque eu gosto de trabalhar próximo de uma ideia de typecast, portanto se é uma criança, eu quero que seja uma criança a dizer aquilo e não um adulto a fazer de conta que é criança”. Quatro atores da peça fizeram a sua estreia no dia 27 de maio, na Covilhã.