A procissão dos Penitentes acontece todos os anos no Paul, oito dias antes da Sexta-Feira Santa, à meia-noite.
Esta tradição secular terá começado na Idade Média, porque as pessoas com doenças contagiosas, como a lepra, queriam fazer parte das celebrações da Páscoa. Assim, faziam esta procissão, descalços e envoltos em mantas, pedindo misericórdia pelas suas almas, explicou Joaquim Martins, chefe do agrupamento de escuteiros do Paul, responsável pela organização do evento.
Durante a procissão são utilizados vários instrumentos representativos do caminho ao Calvário: a cruz, as escadas, o martelo, os pregos. Existem ainda quatro figuras principais: alguém que arrasta uma corrente pela rua e que sinalizava a presença dos doentes através do som; alguém que se chicoteia, como gesto de autoflagelação; alguém que vai aos saltos, representando um indivíduo que já não conseguiria acompanhar a procissão pela doença; e alguém com uma vassoura, varrendo o caminho das impurezas.
Para organizar esta procissão, Joaquim Martins explica que um dia é o necessário: fazem-se algumas coroas de silvas para os figurantes e preparam-se os objetos, esperando por quem vem participar porque faz-se “sem pedir a este ou ao outro para vir. Quem quer vem. Sabe que a esta hora tem de cá estar. Traz um lençol e vem participar.”
As senhoras ajudam na preparação adaptando os lençóis brancos ao corpo dos homens para não caírem, e cosendo-os de forma a “poderem transportar os símbolos na procissão”, conta Leonor Cipriano, parte do agrupamento de escuteiros.
Luís Cipriano participou enquanto figurante e considera este um dos eventos mais importantes da terra, admirando os que dispensam um pouco do seu tempo para estes momentos. Para o participante, “é uma oportunidade para rever amigos, recordar velhas memórias, e beber um bocadinho de jeropiga para aquecer o corpo” porque “para além de ser uma responsabilidade, é um prazer”. Daniel Miranda, descendente de gentes do Paul, veio de Coimbra de propósito para participar porque considera importante “manter as tradições vivas”.
Antes da procissão, dezenas de pessoas esperam na rua, às escuras, e em silêncio. Para quem vem assistir pela primeira vez o primeiro impacto é forte, conta-nos Eduardo Gonçalves: “É um bocadinho arrepiante ouvir aqueles gritos, associado ao modo como estão vestidos. Faz um bocadinho de impressão para quem não está habituado”, mas “é algo único que não se vê noutra parte do nosso país”.
Já Ana Riscado, assiste desde criança, quando se refugiava no colo da mãe, com medo, quando ouvia a procissão a chegar. Hoje, a sensação é mais descontraída porque já compreende o significado do que está a acontecer e acha que “é um legado que não se deve perder, porque é transmitido há muitas gerações”.
O presidente da Junta de Freguesia, Gabriel Gouveia, admira-se como uma procissão à meia-noite traz tanta gente à terra, mas que já faz parte do calendário, conduzindo muita gente de fora à freguesia. Orgulha-se de ver a juventude participar na iniciativa, dando continuidade à tradição.
Assim, se mantém vivas as tradições no Paul.