A cidade que nunca saiu de Ruy de Carvalho

“Tenho a sensação de que nunca saí de cá. É maravilhoso”, são as palavras de Ruy de Carvalho que retornou à Covilhã para uma tarde de conversa no Teatro Municipal. Rodeado pelas fotos da exposição “Retratos Contados” o ator recorda com Nélson Mateus, Regina Gouveia, e os seus filhos João e Paula Carvalho as ruas da Covilhã que também o viram crescer e conta como é envelhecer ativamente.

“É um bem nacional”, como diz a vereadora Regina Gouveia, mas é também “nosso, da Covilhã”. Foi nesta cidade que Ruy soube que queria ser do teatro. Foi aqui que pela primeira vez pisou as tábuas de um palco. Aos sete anos era um mosquito que entrava em cena e dizia “Olha o mosquito! Olha o mosquito!” e ficou convencido com a ovação que recebeu que era isto que queria fazer da vida.

Viveu na Covilhã dos cinco aos dez anos e a meio da conversa ainda pergunta a quem o ouve: “Ainda existe este café? E esta sapataria?” Vemos os seus olhos mexerem-se da esquerda para a direita, da direita para a esquerda como quem faz um exercício de memória em busca das que estão perdidas algures na mente. Lembra-se com carinho de brincar pela cidade e de um pelourinho antigo onde ficava a sua casa. Mudou muita coisa desde esses tempos, mas para Ruy de Carvalho é como se nunca tivesse saído de cá.

Painel de conversa do projeto “Retratos Contados de Ruy de Carvalho” com: Regina Gouveia, Nélson Mateus, Ruy de Carvalho, Paula de Carvalho e João de Carvalho (da esquerda para a direita)

São 82 anos de carreia nos palcos e 97 e dois meses, como recorda à plateia. A idade já lhe dificulta a subida ao pequeno palco no último piso do Teatro Municipal da Covilhã, mas o sorriso nenhum tempo o leva. Recusa-se a usar o microfone, afinal de contas é um senhor do teatro, a projeção vocal já está estudada e aprendida.

Dos mais pequenos ao mais velhos as cadeiras do salão estão preenchidas. Como Nélson Mateus, curador da exposição, explica o ator é ainda visto como um avô de muitas gerações de portugueses e é bom ver que ainda hoje é acarinhado por todos, como temos experienciado ao longo destas sessões com o projeto “Retratos Contados””.

Há tempo e espaço ainda para as perguntas do público a este rosto acarinhado. É nesse momento que António Saraiva recorda a Ruy, e aos seus filhos, que já se encontraram no passado. António estava em trabalho fora do continente e sentia-se isolado, longe da sua Covilhã. O seu caminho cruzou-se com o da família Carvalho na ilha, falou-se da cidade e da vida, mas foi o carinho de Ruy e os seus “Meu filho” dirigidos a António que o marcaram até hoje como um conforto na altura.

Foto do primeiro encontro entre António Saraiva e Ruy de Carvalho

“É uma recolha de conhecimento brutal estar a olhar para Ruy de Carvalho, quanto mais falar para ele”, confessa Nuno Pinheiro. Já  não vive na Covilhã, mas não podia perder a oportunidade de falar com este ator. Também ele se aventurou na ronda de perguntas. O público tenta ainda plantar a ideia de o centenário de Ruy de Carvalho ser passado aqui mesmo, na Covilhã e Ruy não nega a possibilidade.

O artista falou da sua companheira de vida e do ator Augusto Figueiredo que o ensinou a interpretar Gil Vicente, para sempre à maneira das beiras. Agradeceu a Carolina Esteves pelo solo de piano que iniciou a conversa, e o relembrou da sua mãe que também ensinava piano.

Mesmo cansado pela tertúlia que já ia longa, Ruy de Carvalho ainda arranjou tempo para fotos e trocas de palavras com o público, mas antes relembra a velhice. “Morrer antes para quê?”interroga, dirigindo-se ao público mais velho. Recomenda ““não pensar na morte”, pois ele próprio não o faz. E garante que não há ninguém que não seja útil, nem que seja para fazer uma festa ao neto ou ao filho.

Arrancou várias risadas a quem o ouvia, mas nenhuma se comparou à última. Ao despedir-se falou para todos, tanto para o público como para Nelson ou para os seus filhos, com um “pedido picante” segundo o próprio. “Quando eu morrer não quero ninguém triste. Eu parto feliz.”

 

Ruy de Carvalho despediu-se da Covilhã com esta piada, um pedido de desculpas às senhoras mais velhas e com a risada de todos, apelando a que se riam à vontade.

 

 

 

 

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