A sua história é, antes de mais, a história da sua criadora. Irene Ferreira da Silva é formada em Design e Comunicação e, quando o setor deixou de oferecer saídas profissionais, decidiu voltar-se para um gosto que sempre a acompanhou: a costura e o patchwork, dando vida à sua imaginação. “Sempre gostei imenso de patchwork e de algumas coisas de costura”, conta. Começou a criar algumas peças e deixou que a vida seguisse um novo rumo. “Agora vou fazer patchwork e vou viver disso”, pensou. No entanto, não se tinha apercebido que a sobrevivência exclusiva nesse ramo era desafiante — entre recolher os tecidos, coser, passar a ferro, horas intermináveis de trabalho quase invisível.
Mas, talvez o destino tivesse reservado outro caminho. Ao trabalhar diretamente com o Armazém dos Linhos — uma loja histórica do Porto e conhecida pela venda de produção de chita — conheceu a nova proprietária, uma arquiteta que, de maneira semelhante, havia redesenhado a sua própria vida. A empatia foi imediata e Irene começou a colaborar com a marca, criando peças que iam ganhando espaço nas vitrines. E foi aí que se apercebeu que aquele tecido tão português também é contemporâneo.
As chitas de Alcobaça, com as suas flores exóticas e aves coloridas, são parte da alma portuguesa. Entre a criatividade local e influências da Índia e da Pérsia, trazidas pelos Descobrimentos a partir do século XV, a indústria das chitas atingiu o seu auge no século XVIII, quando Alcobaça se destacou na produção destes tecidos de algodão. Estes panos são estampados com riscas estreitas ou largas, aves tropicais, anjos, flores, plantas, frutos e cornucópias e começaram, a partir desse momento, a fazer parte da decoração das casas portuguesas.
Irene percebeu que as chitas carregavam história e identidade e que podiam ser algo mais do que tecidos que lembram a casa dos avós. “As pessoas associam estes tecidos a um tipo de utilização muito limitada na decoração. O forrar arcas, as colchas, as cortinas das prateleiras dos armários, cortinados, era isso que se fazia.”
A escolha da chita impermeabilizada foi um fator essencial para dar estrutura e durabilidade a sacos, bolsas, porta-moedas, porta-chaves e outros artigos. As primeiras criações, exclusivamente vendidas por meio da parceria inicial, logo chegaram a outras lojas. O crescimento foi orgânico, sem pressas, mas sempre com critério. Irene seleciona cada espaço onde vende seus produtos: “Quero colocar a marca num setor médio-alto”, afirma a criadora.

O nome da marca também evoluiu para se adequar à visão mais moderna da designer. Ainda assim, continua com o espírito de atelier bem vivo. Irene controla tudo: desde a compra dos tecidos, as linhas utilizadas, o desenho das etiquetas e até o acompanhamento da produção. Trabalha com uma costureira principal, que por vezes subcontrata outros profissionais, e com uma pequena fábrica para peças mais complexas como as mochilas Harry. As produções sazonais, como os artigos de Natal, ainda são feitos pelas suas próprias mãos.
Há a preocupação de que os produtos sejam 100% feitos em Portugal. A Aboutp não utiliza materiais reciclados, mas usa tecidos produzidos e estampados no país com pigmentos naturais. “É quase tudo feito aqui perto [no Porto]”, diz Irene com orgulho. A criadora faz questão de que cada peça tenha uma etiqueta que conte essa história, porque “um produto com memória e identidade vale muito mais”.
O cuidado com o detalhe é uma característica de que se orgulha. O design das peças é pensado ao pormenor: a largura das fitas, o reforço no sítio certo, a alça na medida exata para ser funcional e confortável. E sobretudo, uma afirmação visual: cores e padrões que manifestam uma alegria irreverente. Segundo a criadora, quem utiliza a marca faz uma escolha: opta pelo que é português, contemporâneo e expressivo. “Na verdade, eu até nem sou muito assim”, confessa Irene, “mas utilizo no meu dia a dia e gosto que as pessoas se sintam orgulhosas por usarem um produto atual que é feito com tradições antigas.”
Além dos portugueses, turistas, especialmente norte-americanos, ficam fascinados ao descobrir a ligação da chita à história da navegação e levam para casa não apenas uma peça, mas um pedaço da cultura portuguesa que cabe na mala. O porta-chaves Lotta, por exemplo, é um produto bastante procurado por ser uma “sardinha” útil, mas com história: um verdadeiro símbolo português.
Entre os produtos mais consumidos estão os corações de alfazema, que perfumam e colorem espaços, porta-chaves e porta-moedas.
A marca que nasceu em 2013 permitiu a Irene, ao longo destes anos, expressar as suas várias facetas. Tem sido mais do que criadora: é gestora, fotógrafa, designer e comunicadora. Alimenta a marca diariamente com dedicação e autenticidade: “Quem nutre a loja também sou eu, quem faz as fotografias e tudo mais sou eu”.
A Aboutp faz hoje parte de uma nova geração de marcas nacionais que resgata tradições, transformando a identidade portuguesa e adaptando-a à contemporaneidade. Não se trata de nostalgia, mas de orgulho de vestir a história de um país. Os seus produtos revelam uma verdade que já existe: a cultura portuguesa é bela, exuberante e criativa. Por que não transformá-la também num dress code diário?



















