Mais do que um artista multifacetado, António Esteves Lopes foi um homem à frente do seu tempo. Nasceu no dia 18 de março de 1900, em Lisboa, mas viveu durante 30 anos na Covilhã. Foi um dos pioneiros da defesa das potencialidades da região e, atualmente, conta com uma galeria em seu nome na cidade.
Reduzir António Lopes a um mero pioneiro da Beira Interior é subestimar o seu impacto. O seu legado rodeia-nos, mas muitas das vezes passa despercebido na azáfama do dia-a-dia.
A sua história na Covilhã começa no ano de 1922 quando foi convidado pelo diretor da Escola Industrial Campos Mello para lecionar a disciplina de desenho, conta Fátima Curto, assistente técnica da Galeria António Lopes, espaço de exposições que o município instalou num edifício nobre da rua das Portas do Sol e a que foi dado o nome do artista.
“O desenho deve ser ensinado por um pintor ou por um escultor, mas a sua competência artística não basta, porque é preciso que eles sejam também bons artistas de pedagogia”, escreveu António Lopes numa carta sem data, hoje disponível no Arquivo Municipal da Covilhã.
Muito acarinhado pelos alunos, dentro da sala de aula era conhecido simplesmente por “Professor Lopes”. Fomentou um ambiente de aprendizagem e amizade, tendo uma especial atenção e respeito para com os seus alunos.
“Na aula de V. Exa. respirava-se, tendo em atenção as naturaes condições sociaes e disciplinares, uma atmosfera de camaradagem que nunca foi ofuscada pela mais pequena desunião”, escreve um aluno numa carta de despedida datada de 26 de setembro de 1952.
“Nas Escolas Industriais o desenho é um meio e não um fim”. No entanto, fora da escola, os desenhos e pinturas de António Lopes, segundo Fátima Curto, eram caracterizados pelo seu realismo e foco nos costumes e saberes das pessoas da região.

O espólio inclui também alguns esboços de cariz mais satírico e, inclusive, alguns cartoons. “Fazia também gravuras para os jornais que lhe pediam”, acrescenta Fátima, “eram caricaturas de várias personalidades da época”.

Um dinamizador cultural e turístico
Em 1928, a vida municipal na Covilhã começou a desenvolver-se, quando a Câmara dirigida por Almeida Eusébio organizou os Serviços Municipalizados da Água, Luz e Saneamento. Os rendimentos que advieram desta repartição possibilitaram uma nova etapa de desenvolvimento à cidade.
António Lopes funda o Ski Clube Portugal no ano de 1931, assumindo a presidência da instituição. De acordo com algumas cartas, ao longo das duas décadas seguintes, recebeu várias pessoas ilustres, tanto portuguesas como estrangeiras.
Para além dos concursos de ski, das excursões à serra e das várias exposições de fotografia e pintura que organizou, dinamizou também um plano de turismo para toda a Beira Baixa.
“A missão da imprensa é sempre solene e elevada”, escreve em 1939. Através da rúbrica “Vida Regional” do jornal “Diário de Notícias”, desenvolveu o questionário “Propaganda e Turismo”.
Este questionário era dividido em duas partes e foi distribuído por todas as freguesias dos concelhos da antiga província da Beira Baixa, nos meses de agosto e setembro do ano de 1943.
A primeira parte interessava-se em saber os recursos e as condições de vida das freguesias, enquanto a segunda pretendia determinar as possibilidades de hospedagem de cada localidade. Foi também pedido que enviassem fotografias dos pontos de interesse das freguesias à Comissão Municipal de Turismo.

O questionário foi amplamente aceite e possibilitou averiguar as necessidades das freguesias, pois este trabalho visava também o melhoramento das condições de vida e o desenvolvimento dos habitantes destas localidades
A documentação mostra um esforço para ligar as aldeias a uma estrada; melhorar as linhas férreas; aprimorar as escolas; alargar e calcetar ruas; eletrificar; canalizar e criar sistemas de abastecimento de águas.
Estes trabalhos nem sempre foram reconhecidos pelo Estado Novo, que desvalorizava o turismo. De acordo com uma carta, o Comissário do Turismo fez um discurso onde dava a entender que “o turismo da Serra da Estrela é um turismo de segunda ordem, de inferior qualidade” e “incapaz de atrair estrangeiros a Portugal”.
António Lopes provou o contrário e influenciou outras localidades, como Gouveia, a abrirem os seus próprios postos de turismo.
A indústria de lanifícios e o artesanato
Poucos anos depois de chegar à cidade, casa-se com Estrela Roque Cabral. Uma mulher que pertencia a uma família afluente, ligada à área dos lanifícios.
Em meados da década de 40 do século XX, com o cunhado António Roque da Costa Cabral, funda a Fábrica de Tapetes Serra da Estrela. Torna-se sócio gerente, mas a fábrica pertence ao sogro e aos cunhados.
Embora não se saiba a data exata da fundação da fábrica, localizada na Rua Marquês D’Ávila e Bolama, o requerimento para o alvará foi aprovado a 6 de março de 1944.

A partir de 1947, começa um esforço para dar a conhecer a fábrica ao país e ao mundo, através do envio de várias cartas com amostras de tecidos a outros negócios.
Chegou a atrair a atenção de vários agentes e representantes em países estrangeiros, como em Inglaterra, no Brasil e até mesmo em Nova Orleães, nos Estados Unidos da América.
Entre as tapeçarias mais enigmáticas está a “Pero da Covilhã”, mais conhecida por “Serra da Estrela”, que foi entregue pelo repórter do “Diário de Notícias”, Armando de Aguiar, ao Imperador da Etiópia Hailé Salassié, no Palácio de Addis Abeda.

Outras tapeçarias bastante conhecidas, foram as encomendadas pelo Governo Geral de Angola, então colónia portuguesa. Entregues no dia 3 de fevereiro de 1958 à Delegação Comercial do Ultramar, em Lisboa, consistiam numa tapeçaria em bordado de Castelo Branco e oito peças de tapeçaria Arraiolos.
O regresso a Lisboa e o legado na Covilhã
A 30 de setembro de 1952, António Lopes regressa a Lisboa, após ser transferido para a Escola Machado de Castro. Contudo, permaneceu ligado à indústria de lanifícios.
Os seus esforços de potencialização e restauração do artesanato da província da Beira Baixa, culminaram na exposição de colchas de noivado “Bordados de Castelo Branco”, que decorreu em 1959 no Palácio da Foz, em Lisboa.
A partir de 1968, não existem correspondências de António Lopes no Arquivo Municipal da Covilhã. Faleceu a 25 de abril de 1973 e deixou um espólio de trabalhos e documentação, que a família decidiu doar à Câmara Municipal da Covilhã.
“Foi feito um protocolo entre a família e a Câmara, com o entendimento de que lhe seria dedicado um espaço”, explica a coordenadora da Galeria António Lopes, Regina Alexandre.

O espaço está localizado na zona histórica da Covilhã, num edifício do século XVIII onde funcionava a Casa dos Magistrados. “É um local de passagem obrigatória e as pessoas acabam sempre por entrar”, diz Regina Alexandre. “Num mês temos à volta de 200 visitas dos mais diversos públicos”, acrescenta Fátima Curto.
A galeria conta com duas salas para exposições, uma permanente, dedicada a António Lopes, e outra temporária, para outros artistas e atividades. “Por volta de 2017, reduzimos o espaço expositivo permanente para uma só sala”, explica a coordenadora. “O espólio artístico permaneceu aqui, enquanto o documental foi transferido para o Arquivo Municipal”.

Contudo, atualmente, ambas as salas estão ocupadas por uma exposição da iniciativa Trienal Design, que decorre até 21 de junho. “As peças de António Lopes estão guardadas num ambiente controlado”, continua Regina Alexandre, e “no futuro irão regressar ao devido lugar”.
“A Covilhã está em dívida para com ele”, diz Fátima Curto, “as pessoas ficam encantadas quando vão à exposição”.

“Creio que somos devidamente valorizados. Mas, por vezes, é difícil fidelizar públicos”, explica a coordenadora da galeria. “É muito mais fácil fazê-lo numa biblioteca do que numa galeria de arte, pois trata-se de algo mais específico”.
Para o futuro, a Galeria António Lopes terá um hub criativo e um novo espaço expositivo ligado às artes artesanais. “O edificio está em transformação e é devidamente valorizado pelo executivo”, frisa Regina Alexandre. “Acredito que a nova dinâmica que se vai dar à Galeria vai atrair mais pessoas e permitir uma maior diversidade de atividades”, finda Fátima Curto.
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