Ashtar Theatre encanta a Covilhã com “Oranges and Stones”

Peça sem diálogo aborda a ocupação na Palestina e deixa forte impressão no público do Teatro das Beiras

Na noite de 22 de maio o Auditório do Teatro das Beiras da Covilhã foi palco de uma experiência singular. A companhia de teatro palestiniana Ashtar Theatre fez a sua estreia na cidade com a peça “Oranges and Stones”, uma criação de Mojisola Adebayo que não precisa de palavras para narrar uma história de ocupação e resistência. O espetáculo atraiu uma audiência diversificada e foi recebido com uma mistura de reverência e emoção.

Com um cenário minimalista e uma narrativa que remonta à primeira onda de emigração judaica para a Palestina após a Declaração de Balfour de 1917, “Oranges and Stones” transporta o público para uma época de mudança e conflito. A peça conta a história de um homem pobre da Europa Central que, em busca de refúgio após a Primeira Guerra Mundial, chega à Palestina e instala-se na casa de uma mulher local. Esta mulher, que vivia pacificamente do seu pomar de laranjas, vê a sua vida mudar drasticamente quando o recém-chegado começa a apoderar-se da sua casa.

Mojisola Adebayo, a mente por detrás deste espetáculo, descreve a peça como uma tentativa de dar ao público “uma imagem do que é a ocupação, sem a necessidade de palavras”. Acrescenta ainda que “este espetáculo não procura contar toda a verdade, não é documental, mas conta uma verdade possível”.

Tratando-se de uma peça sem diálogo, esta dependeu bastante da banda sonora, mas também dos silêncios, dos gestos, das expressões faciais dos atores. Sem o recurso a palavras, cada movimento, cada respiração e suspiro ficam sujeitos a interpretação por parte do público.

Beatriz Almeida, aluna do mestrado em Estudos de Cultura da Universidade da Beira Interior, afirma que “por não haver diálogo, tinha de ser tudo muito simbólico e pensado”. Numa nota mais interpretativa, acrescenta que acha que “de certa forma, parece que usaram a violência de género como veículo para demonstrar a ocupação”.  Com isto quer dizer que acha que, como a violência de género é um conceito mais facilmente compreendido pelos países ocidentais do que o conceito de ocupação (visto que a maior parte destes foram colonizadores), este foi usado para explicar o segundo conceito através de metáforas visuais. Refere, então, aquela que diz ser a sequência mais impactante da peça, na sua opinião.

O momento em que o invasor força um beijo, prendendo a mulher pelo fio da chave que esta carrega ao peito ao colocá-lo em volta do seu pescoço também, e ela tem de escolher abdicar da chave de casa de modo a parar o abuso. Posto isto, ela lava-se com uma bacia, freneticamente esfregando a boca e lavando os braços por onde foi agarrada. O homem aproxima-se, e coloca os pés sujos dentro da bacia. Chapinha um pouco e sai, e a mulher, indignada, atira-lhe com a pouca água que a bacia tem e manda-a para o chão.

O homem procede a pegar no jarro que contém o resto da água disponível e, a fechar a sequência, despeja-o sobre a sua cabeça, esfregando-a. Esta interpretação muda dos atores visa expressar todo o sentimento de resistência por parte da mulher e de invasão por parte do homem. Assim, a peça discute estes temas de forma silenciosa e concreta.

Iman Aoun, que interpretou a mulher palestiniana, diz que atuar numa peça sem diálogo é um desafio, mas que existe beleza no mesmo. Diz também que, ao ser um espetáculo sem palavras, o mesmo torna-se universal, pois a linguagem não é uma barreira. Falou ainda do facto de estar encantada com Portugal, e com a Covilhã em particular.

Após o espetáculo, os aplausos ouviram-se durante dois minutos, uma demonstração emocionante por parte do público, que prolongou a sua emoção e apreciação. Seguiu-se uma conversa bastante significativa para todos os participantes. Falou-se sobre a guerra, a origem desta e os factos históricos que  evidenciam atos de colonialismo ou, até, imperialismo. Pedro Matias, um espectador, perguntou o que é que uma pessoa dita “normal” pode fazer para ajudar. Aoun falou no boicote das grandes empresas, como a McDonald’s, e referiu a importância da partilha de informação nas redes sociais, de modo a tornar impossível o sentimento de indiferença para com este conflito.

Esta peça deixou uma marca profunda em quem a assistiu, deixando o público a pensar sobre a atualidade das temáticas apresentadas, notando-se claramente, que teve um impacto significativo em cada espetador.

 

 

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