Bolsas de Integração: uma tentativa de prevenir o abandono universitário

UMA NOVA ETAPA 

Entre o fim do primeiro período escolar e o começo do segundo, os caloiros finalmente tiveram um momento para respirar e processar o que o seu primeiro contacto com o ensino superior significou. É, para a maioria dos alunos, um momento de retorno a casa e a família. Sair de casa e ir para uma cidade nova, num nível de ensino diferente é uma experiência inédita, as vezes de medo e as vezes de antecipação, mas agora voltam, os que podem, diferentes e esperançosos. 

Um deles é Guilherme Branco, que veio à Covilhã cursar Ciência Política e Relações Internacionais, e que agora volta a Évora com uma experiência que parece difícil dizer que fez tanto em três meses. Faz parte de uma tuna, joga no time de futsal da universidade e até se tornou secretário-geral do Núcleo de Estudantes Sociais Democratas da UBI, segundo ele, a vinda para a Covilhã significou uma “mudança quase total de sua vida”, mas isso não foi motivo de medo. A chegada na cidade nova é um desafio, mas Guilherme fez questão de enfrentar de frente. 

Em Portugal são pelo menos 144 mil alunos que saem de suas cidades para fazer o ensino superior, segundo dados do Ministério de Educação, Ciência e Inovação, e na UBI o dado corresponde, a maioria dos seus alunos são deslocados, segundo a vice-reitora, Helena Alves.  Para ela, a universidade precisa entender o que essa mudança significa para todos esses alunos, e o que ela vai implicar nas suas vidas, para assim poder agir. 

“É um momento difícil da vida dos estudantes quando passam do secundário para a universidade” 

É um momento de sensibilidade, uma experiência inédita “em se adaptar em uma cidade diferente, um contexto académico completamente diferente, amigos diferentes, pessoas diferentes” conta Raquel Moreira, técnica superior no gabinete de inovação pedagógica, “Enfim, é que a vida deles muda radicalmente”. 

Mas isso não torna a mudança fácil para todos, estar longe dos familiares pode se tornar um peso para a saúde mental, completa a vice-reitora: “temos aqui situações psicológicas, de estudantes que sofrem muito psicologicamente quando se afastam das famílias, quando se afastam de casa”. 

Assim como Guilherme, Rodrigo Rodrigues, caloiro de moda, concorda que estar longe da família é o mais difícil. Ele veio de uma vila perto de Viana do Castelo e não sentiu que o choque foi tão grande ao chegar na Covilhã. A diferença nota-se na convivência, na rotina longe da família. Enquanto estão cá, matar as saudades é por chamadas e ir a casa de vez em quando para quem pode. Para eles, a distância não é tão longa, e a saudade pode ser aliviada em um ou outro fim de semana.  

Vir de uma cidade diferente já é difícil, mas vir de outro continente adiciona um outro nível de complexidade a essa experiência. A UBI recebe cada vez mais alunos internacionais e, em 2024, uma delas foi Laura Cadena. Vinda do Equador, com apenas 17 anos, deixou a família para focar nos estudos em Marketing. 

Além da distância da família e dos amigos, ao chegar cá, o idioma torna-se uma barreira. Laura não sabe falar português e, apesar da semelhança com o espanhol, ela tinha dificuldade em entender e se comunicar: “Eu cheguei com zero conhecimento do idioma, não falava nada… não sabia como me apresentar”. A paciência e vontade de ajudar de quem estava a sua volta foi essencial para ela se sentir bem recebida: “Meus professores e companheiros todos tentavam me explicar, em espanhol, o que podiam. Assim me senti melhor, senti que eles queriam me integrar”. 

Outra dificuldade apresentada foi não ter participado da praxe. Nas primeiras semanas de aula, Laura estava preocupada com papéis e documentos para a residência e, portanto, não teve tanto tempo para ir a praxe, mas ela também confessa que não foi só por isso. 

“Eu acho que a praxe é algo bom, mas também não fui a praxe porque é algo muito radical” 

A praxe é para ela algo diferente e, isso acabou por criar um certo receio na aluna estrangeira. Isso depois acabou por criar talvez alguma distância entre ela e os colegas. Ela conta que não é grave, mas sentiu que “não me senti sozinha, não me senti afastada dos meus colegas, mas não me incluíam tanto nas conversas, porque eram temas da praxe… então no início não tínhamos muitos temas em comum”. 

A praxe pode ser o diferencial para os novos alunos criarem conexões no seu primeiro ano, esse é o seu objetivo, mas também pode criar uma separação entre aqueles que fizeram parte e os que não fizeram. Ela também acaba por ser assunto de controvérsia as vezes, mas entre o Guilherme e o Rodrigo, a experiência teve um saldo muito positivo. 

Assim como a Laura, Guilherme não era adepto e tinha receio da praxe no início, ele entrou, mas pensava que não ia acabar de todo. Mas a convivência provou-se importante em fazer ele não se sentir “tão sozinho, apesar de estar tão longe de casa”. 

A praxe fez ele perceber “o porquê de ser importante, estarmos todos juntos tendo em conta que viemos de lugares diferentes. Estamos todos longe de casa. É que é importante ajudar uns aos outros”. Sim, essa mudança é ume experiência inédita para os alunos deslocados, mas também é uma experiência que eles passam juntos e que seus veteranos já passaram antes deles. 

“[a praxe] também é feita por alunos. De alunos para alunos e também eles entendem. Muitos entendem, [os veteranos] percebem-nos muito melhores do que a própria universidade” 

O medo é uma palavra que envolve essa experiência, é preciso levar em conta que os caloiros são jovens que acabaram de sair do ensino secundário e muitos estão acostumados com uma segurança, um apoio familiar que não é mais imediato. Rodrigo encontrou esse sentimento na praxe, ele sentiu “uma grande segurança dos nossos superiores. Sabíamos que se acontecesse alguma coisa, porque estávamos todos com os receios, com o medo do primeiro mês. Aqui não sabemos nada, estamos a morar sozinhos num sítio novo”. 

Mas mesmo fora da sala de aula e sem participar da praxe, os caloiros ainda encontram maneiras de achar o seu lugar. Guilherme achou um espaço na tuna e no futsal, duas paixões que sempre teve, e que o fez ser bem recebido na Universidade. Já Laura conheceu alguns membros do Núcleo de Estudantes Latino-americanos, o NELA, e teve a oportunidade de fazer parte do núcleo. 

Desde a sua criação, em 2023, o NELA tem feitos esforços para ajudar estudantes estrangeiros (não só de origem latina) a se integrar melhor no meio académico e na sociedade portuguesa. O criador e presidente do núcleo, Luís Andrade, afirma que o objetivo do núcleo não é fazer uma separação entre grupos de alunos latinos e os estudantes portugueses, mas sim “uma integração verdadeira, entre todas as culturas que temos na universidade”.  

A integração é uma necessidade clara. Diversos grupos de alunos, seja as comissões de praxe, núcleos de estudantes, tunas, times desportivos, todos tem algum papel em receber os caloiros e fazer com que eles sintam que têm uma nova casa. 

Mas será a Universidade tem um papel a tomar nesse ecossistema de integração académica? 

É facto de que a UBI está a crescer ano após ano, tendo atingido 10 mil alunos em 2024, mas como toda universidade em Portugal, ela enfrenta a desistência de vários alunos, antes mesmo do primeiro ano acabar. 

Segundo a vice-reitora Helena Alves, muitos estudantes que “depois do concurso nacional de acesso, desistem nos seus estudos. Passado um, dois, três meses, anulam a matrícula. Alguns deles porque dizem que entraram numa privada ao pé de casa” 

A taxa de desistência no ensino superior continua a crescer e, no ano letivo de 2022/23, foi a mais alta em 8 anos. Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) a taxa de desistência dos alunos de licenciatura em instituições de ensino superior era de 11,10%. 

Para Helena, isso significa “que que muitas vezes o estudante prefere abdicar de uma universidade pública para ir para uma privada, para estar no conforto da família”. 

Para a UBI, a falta de integração de alunos deslocados pareces ser a principal causa desse problema e, portanto, decidiu tomar ações para que isso seja evitado. 

A BOLSA DE INTEGRAÇÃO 

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é um programa do Governo português que implementa investimentos para o crescimento económico do país. Uma das áreas do programa é destinada ao meio académico, onde as universidades tiveram que fazer uma proposta de atividades que iriam desenvolver. Com o mote de promover o sucesso académico e prevenir o abandono, a vice-reitoria e o Gabinete de Inovação Pedagógica (GIP) decidiram que o jeito ideal de atingir esse objetivo era “através de bolsas para que os atuais estudantes pudessem ajudar a integrar os mais novos”. 

Surge então a Bolsa de Integração, que foi destinada a 26 alunos da UBI, para criarem propostas e botarem em prática um plano de integração de novos alunos na universidade. Os bolsistas apresentaram suas propostas de atividades, que passaram por um júri e as selecionadas começaram a ser realizadas durante o primeiro período. Porém apenas cinco foram realizadas até dezembro, estão a maior parte delas serão realizadas no segundo período, até o fim do ano escolar. 

Segundo a vice-reitora, a ideia de criar uma bolsa para alunos é devido a maior proximidade que esses possam ter com outros alunos: “Pensamos, e por que não recompensar esses estudantes para que possam ajudar os outros, porque é sempre muito melhor uma integração, uma tutoria por pares, do que provavelmente por pessoas mais adultas, digamos assim, com quem as vezes os estudantes não se identificam tanto”. 

A universidade também quer ser uma plataforma de segurança para que os novos alunos “consigam superar os desafios” de viver num lugar novo e que “Estamos aqui a atuar em várias frentes e é, por um lado, facilitar a adaptação, mas também fazer com que as pessoas se sintam bem no nosso meio académico”, completa Raquel Moreira, do GIP. 

Apesar do foco ser alunos do primeiro ano de licenciatura, algumas das principais atividades foram feitas ao redor de alunos do primeiro ano de mestrado, nomeadamente “alunos que vinham do estrangeiro e que não conheciam nada da cultura e, portanto, não estavam integrados de alguma forma. Não percebiam muito como funcionava grande parte das coisas na Covilhã”, conta Luís Vaz, um dos tutores. 

A sua atividade consistia principalmente em apresentar a cidade para esses recém-chegados de longe e nada melhor do que um covilhanense para esse trabalho. Luís, já era da Covilhã quando veio a UBI e por isso nunca passou pela dificuldade de se integrar em um ambiente completamente novo. Nem por isso ele não se dispôs a fazer esse trabalho pelos seus novos colegas.  

O aluno de Doutoramento em Marketing e Estratégia conta que desenvolveu a sua atividade com objetivo de situar melhor os alunos na cidade: “Muitas das atividades tiveram a ver com visitas a instituições ou locais de interesse na Covilhã, que acabavam por ser sítios mais icónicos, digamos assim, e que eles poderiam visitar novamente noutro dia ou quando trouxessem família cá.” 

Existe um equilíbrio a ser atingido na hora de planejar, os estrangeiros podem não conhecer tanto da cultura, mas também são adultos e não devem ser tratados como crianças perdidas. Apesar disso, Luís conta que foi preciso “levar em conta que muitas das coisas que eles vão fazer são novas” e por isso não deve ser uma atividade que seja muito complexa, porque “são estas atividades muitas das coisas que para nós, que já estamos cá há algum tempo, são muito simples”. 

Foi uma forma de receber e amparar esses alunos a sua nova realidade, de uma forma que combina a didática com a diversão de conhecer lugares interessantes. As atividades “acabaram por não só a ajudá-los a conhecerem se uns aos outros como também a conhecer quais são os procedimentos para determinadas coisas que precisassem cá na cidade” completa Luís. 

“criar os laços entre os vários estudantes será aquilo que é mais essencial nesta primeira fase, digamos assim, que é para que eles também sintam algum suporte na vida deles” 

Apesar da sua condescendência, Luís concluiu que os alunos foram surpreendidos com as atividades: “as expectativas eram muito baixas, mas depois, no fim, eles acabaram por perceber muito mais da zona, muito mais da região em que se encontram. A perceber como é que as coisas aqui funcionam e isso acabou por catapultá-los a muitos dos processos, por vezes mais burocráticos, típicos de Portugal.” 

Tendo isso em conta, nenhum dos alunos que participaram das atividades se demonstraram confortáveis ou disponíveis para dar a sua opinião sobre o projeto. 

Existe, porém, um problema visível no projeto: o seu alcance. Guilherme, Rodrigo e Laura não ouviram falar de tais atividades e, que eles saibam, os seus colegas também não. O próprio Luís admite que na fase inicial, devido a “alguns trâmites de divulgação das atividades, houve alguma dificuldade em obter alunos”. 

O processo de divulgação das atividades era um misto, alguns alunos eram contactados e convidados a participar, e “houve alunos que pelo passe da palavra perceberam que essas atividades iam decorrer e depois vieram atrás”, confirma Luís. 

O GIP afirma que a participação dos alunos depende muito da comunicação e divulgação que é feita por quem está a organizar estas iniciativas, ou seja, os bolsistas. Segundo dados do gabinete, o número de alunos que participaram das 5 iniciativas realizadas até o momento varia entre 10 e 30 alunos, porém a UBI recebeu mais de 1 400 alunos esse ano. 

Apesar dessa discrepância, é preciso ter a noção que não se pode ajudar todo mundo e, claro, existem diversos outros meios que ajudaram alunos como o Guilherme, Rodrigo e a Laura. Mas fica a esperança de que a universidade possa ser uma mão amiga cada vez maior nesse âmbito, explicou o Guilherme: “acho que da mesma forma que nós damos a universidade a chance de efetivamente ser a instituição que é, também ela deve dar-nos a oportunidade de nos sentirmos bem, enquanto lá estamos”. 

No fim, fica a sensação de que a ajuda foi dada, mas ainda há muito o que fazer para que a UBI consiga atingir o seu objetivo e se colocar ao lado da praxe, das tunas, dos núcleos e outros grupos para ser um verdadeiro alicerce na integração dos seus alunos. Sempre haverá quem queria ajudar, como conta Luís: “eu gostei da experiência, tornaria a repetir, até porque é sempre bom quando alguém recebe ajuda e dá para ver logo a diferença que isso faz na vida deles”. 

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