Iniciou a carreira de árbitro no ano de 1992, nos campeonatos distritais de Castelo Branco, depois de ser persuadido por um amigo a tirar o curso. Na altura, ainda era um estudante de 18 anos e integrava os escalões juniores do Sporting Clube da Covilhã. Proibido de jogar futebol pelo pai, devido ao mau desempenho escolar, acabou por encontrar uma escapatória para o desporto através da arbitragem. Daí nutriu uma curiosidade pelas regras do jogo e, gradualmente, foi conquistando e superando objetivos até chegar à categoria de árbitro internacional.
Natural da Covilhã, atualmente trabalha como assistente técnico na Unidade Local de Saúde Cova da Beira. Aproximando-se o quinto aniversário do fim de carreira como árbitro, fala-nos um pouco sobre o panorama atual do futebol português e das experiências que teve.
Sente saudades de ser árbitro?
Em parte. Foram 28 anos, é quase metade de uma vida. Não diria que é uma profissão, até porque, em determinada altura, não o era. Apenas o passou a ser com o regime de exclusividade, introduzido durante os últimos seis anos da minha carreira, e aí posso considerar a arbitragem como uma profissão. Coincidiram com a fase final do meu tempo como árbitro. Uma fase marcada por uma maior saturação, porque foram 20 anos na Primeira Liga. Ou seja, já existia um certo sentimento de dever cumprido. No entanto, sinto saudades de algumas coisas… de outras, nem tanto.
Do que sente mais falta?
Sinto falta da adrenalina, do jogo em si, dos 90 minutos, da preparação que é feita antes dos jogos e da convivência que existe dentro do relvado. Por exemplo, hoje [06 de abril de 2025] temos um clássico, o Sport Lisboa e Benfica contra o Futebol Clube do Porto. Sinto saudades desses jogos, principalmente dos derbys e dos clássicos. E, fundamentalmente, também sinto saudades dos jogos europeus, onde nós realmente nos sentíamos como figuras de árbitros.
Do que sente menos falta?
De em Portugal se dar tanta atenção negativa ao árbitro. Ao escrutínio que é feito ao seu trabalho. Acho que é um bocado cultural dos países latinos. Dá-se muita importância ao que é o arbitro, enquanto as pessoas responsáveis por outras tarefas, nomeadamente treinadores e dirigentes, desfocam-se das suas missões, funções e daquilo que teriam de fazer para melhorar. Acho que não deviam denegrir tanto os árbitros.
Os erros existem, sempre existiram e sempre irão existir. Evidentemente que há sempre um trabalho feito pelos clubes durante uma semana, um mês ou uma época, e que há muito dinheiro investido que está em jogo e, por vezes, um erro de um árbitro pode deitar isso tudo a baixo.
No entanto, temos realidades tão próximas como a Liga Inglesa, ou mesmo a Alemã, onde isso é relativizado porque ninguém se escuda nos erros dos árbitros para, de certa forma, justificarem os desempenhos e os resultados menos bons.
Que diferenças encontrou entre as várias Ligas?
Apitei na Liga Portuguesa, alguns jogos da Liga Saudita e fiz muitos jogos internacionais. A principal diferença que eu encontrei é a importância que se dá aos árbitros a nível internacional. Somos vistos como uma figura de autoridade que é tratada com mais respeito. Nesse aspeto sim, acaba por existir uma grande diferença.
Em Portugal a arbitragem não é respeitada como deveria ser, ou pelo menos da mesma forma que é nos jogos internacionais, onde os árbitros se sentem valorizados e sentem que fazem parte do espectáculo. Não digo de igual forma aos restantes participantes, porque, óbviamente, os protagonistas serão sempre os jogadores e os treinadores. E nem os próprios árbitros querem ser o centro das atenções. Mas não deixam de quererem sentir-se verdadeiramente árbitros, quer na palavra ou na função.
Eu vou dar um pequeno exemplo: em Portugal, havia uma equipa que chegava atrasada a todos os jogos. Antes das partidas os arbitros estipulam, por exemplo, “nós queremos os jogadores cinco minutos antes do jogo na boca do túnel”, e, essa equipa, sucessivamente, não cumpria isso.
Claro que quando eu digo uma, estou apenas a dar um exemplo. Existem muitas mais equipas portuguesas que têm este tipo de comportamentos. Ou seja, em Portugal, se um árbitro der uma pequena instrução e se o clube achar que não faz sentido, então não seguem essa ordem.

E é aplicada alguma sanção a essas equipas?
Sim, mas as sanções em Portugal são o que são e valem o que valem. As equipas, se podem com elas, preferem fazer como bem entenderem. A Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LP), enquanto organizadora dos campeonatos, faz o que pode. Não é por culpa da LP que estas coisas acontecem. É mesmo uma questão de cultura, de falta de respeito pela figura do árbitro. O que acontecia, e acontece, nestas situações é: as equipas não chegam e os jogos não começam a horas, então os árbitros são obrigados a escrever um relatório e as multas são aplicadas. Só que não passa mais do que isso.
O que distingue um clube de Primeira Liga Portuguesa dos restantes?
O mesmo que distingue os “três grandes” do futebol português de todos os outros clubes. É evidente que existem diferenças entre os clubes de Primeira Liga e os clubes de Segunda Liga. O que os distingue, fundamentalmente, é o estatuto; o facto de eventualmente terem melhores infraestruturas; os jogadores, naturalmente, têm melhores condições; e as próprias equipas são melhores.
Quer queiramos quer não, uma equipa de Primeira Liga tem sempre melhores executantes do que aqueles que existem na Segunda Liga. Claro que isto tudo também está relacionado com as condições financeiras do clube. O facto de um clube estar na Primeira Liga é uma diferença exorbitante e, pontualmente, é isso que os distingue dos clubes de Segunda Divisão.
Qual considera ser a divisão mais problemática a nível de rivalidades?
As rivalidades, quando são só rivalidades, são sempre boas. Há que aproveitar isso sempre pelo lado positivo. Evidentemente que quando as rivalidades se tornam tóxicas não são boas. Por exemplo, um dos problemas que entendo que existe é o facto de o comportamento das claques não ser o mais adequado, mas isso é um tema ao qual naturalmente eu sou alheio. No entanto, neste momento, enquanto cidadão e adepto de futebol, não gosto de ver que os comporta
mentos das claques não são aqueles que deveriam ser. Uma vez que, na sua essência, as claques foram criadas para verdadeiramente apoiar os clubes e para terem um comportamento positivo de valorização do futebol.
Muitas vezes as claques culpam os árbitos pelos maus resultados. Isso pode estar relacionado com a cultura desportiva portuguesa?
Sim, também. Mas não só. Das percepções que eu tinha antes, e tenho atualmente, nem são as claques que criticam tanto os árbitros. Pelo menos tanto quanto o simples adepto comum. Acho que [as claques] preocupam-se mais com outras coisas com que não se deviam preocupar do que propriamente com os árbitros. Mas acaba por ser um bocadinho cultural, é verdade. Quanto mais ênfase se dá ao desporto, neste caso ao futebol, maior é essa faceta negativa da cultura que gera esses ódios e rivalidades que não são sãs e que não deveriam existir.
Que pressões existem para os árbitros?
Na minha experiência, a maior pressão que tinha era o receio de errar, e que esse erro tivesse influência no resultado do jogo. Talvez esteja apenas a reportar-me aos meus últimos anos como árbitro, onde a experiência e maturidade já eram grandes, e já estava habituado a lidar com vários tipos de situações. Mas, sou sincero, desde que cheguei em 2000 até quando terminei em 2020, a minha maior pressão era uma pressão própria de não querer cometer erros que colocassem em causa o resultado .
Acho que essa é a maior pressão dos árbitros, não vejo que exista outra. Evidentemente que existem mais de 20 árbitros na Primeira Liga e cada um tem a sua forma de estar, de ser e de encarar as coisas. Falando por mim, o meu maior rival era o erro e era contra isso que eu lutava.
Como lidava com essa pressão?
No fundo, considero que era uma pressão boa. Eu sabia que a probabilidade de eu cometer um erro também dependia muito de como os jogos poderiam decorrer. Sabia que isso era, de certa forma, uma situação normal. Nos jogos passa-se tudo muito depressa e há muitos lances que são dificeis de julgar, pelo que os árbitros no campo, na maior parte das vezes, vão pelo que parece e não pelo que é. Não têm certezas, até mesmo quando acertam.
Isso, de certa forma, combate-se com o trabalho. Eu via todos os meus jogos que foram transmitidos na televisão, e acabava sempre por perceber, principalmente nos erros, o que eu tinha de melhorar para evitar que uma situação idêntica voltasse a acontecer e para estar mais preparado para os próximos jogos.
O Video Assistant Referee (VAR) acabou por tirar muita dessa pressão?
Não. O VAR, evidentemente, para a verdade desportiva veio em boa hora. Chegou e veio para ficar. E ainda bem, por um lado porque elimina muitos do que poderiam ser resultados falseados por erros de arbitragem.
Em termos da arbitragem propriamente dita, o facto do árbitro ir ao monitor e reverter uma decisão, implica uma descida considerável na sua nota desse jogo. Ou seja, quando o árbitro vai ao VAR não vai confortável. Ao reverter uma decisão, significa que cometeu um erro e o observador que o está a analisar não o pode classificar com boa nota.
Portanto, há aqui um misto de “o VAR vai salvar a verdade desportiva”, mas, ao mesmo tempo, como árbitro, ao utilizar o VAR vou ser penalizado na minha nota final, que vai influir na minha classificação e colocar em causa a minha permanência ou não na Primeira Liga. Com isto quero alertar que é necessário criar mecanismos para que o árbitro possa estar completamente confortável quando vai ao monitor.
Como descreveria o panorama atual do futebol português?
Há sempre margem para melhorias. Eu acho que temos grandes jogadores, grandes treinadores e alguns bons dirigentes. A arbitragem está mais ou menos ao mesmo nível. Evidentemente, podia estar melhor.
Nos últimos anos tem-se assistido à tomada de posse de novos dirigentes nos clubes. Acha que isso também contribui para mudar o panorama do futebol português e da própria mentalidade?
Sim, eu tenho essa esperança. Deixamos de ter, nomeadamente em dois grandes clubes, presidentes que estiveram lá muito tempo. Eu sei que a resistência à mudança é por norma sempre muito grande, mas no final a mudança acaba por trazer bons ventos e, nestes casos, estamos a falar de pessoas mais novas que se calhar poderão trazer ideias melhores. Não é bom, quer seja a nível do futebol ou mesmo da política, manter as mesmas pessoas em cargos de liderança durante muito tempo.
O que prevê para o futuro do futebol português?
Não me considero uma pessoa pessimista, antes pelo contrário. Acredito que o futebol português, se continuarmos na trajetória atual, com boas formações, bons jogadores e treinadores, obviamente que só pode ter um futuro positivo. Até porque desde 1997/98 que temos grandes seleções que advêm de grandes jogadores. E desde 2000 que não falhamos uma fase final nos campeonatos da Europa e do mundo. Acho que o futebol português tem tudo para ser cada vez melhor.