Festival do Teatro na Covilhã com Crítica Social Intemporal

“Sermão de Stº António aos Peixes… e aos outros pela divina graça do teatro”, da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve, foi a peça central apresentada no dia 19 de novembro. A encenação rapidamente revelou- se um destaque, prometendo uma profunda reflexão ao ligar o texto clássico de Padre António Vieira aos vícios e desafios do nosso século.

O encenador Luís Vicente explica que a audácia da adaptação reside precisamente em mostrar a intemporalidade da crítica de Vieira. “O universo que o Padre António Vieira aborda no sermão corresponde exatamente àquilo que nós estamos a viver hoje em 2025,” afirma. Em vez de uma leitura rígida, a peça usa o humor e a ironia para atualizar a repreensão aos “peixes”, um eufemismo para os vícios humanos, tornando o texto mais perecível e acessível ao público. A intenção é clara, temas como a corrupção e o abuso de poder, os “grandes peixes”, continuam tragicamente atuais. Luís Vicente espera que o público “reflita e tire as suas conclusões” sobre esta realidade.

A pertinência da obra foi sublinhada pela presença massiva de alunos. A professora Lúcia Pinto, que acompanhou mais de 80 estudantes do Agrupamento de Escolas Frei Heitor Pinto, destacou o valor pedagógico da experiência, que serviu de complemento ao estudo da obra no currículo escolar. Segundo a professora, a peça permitiu aos jovens fazerem a ponte “com a atualidade”, debatendo temas contemporâneos como a falta de liberdade, a corrupção e a ganância.

Alunos que já aprenderam a obra e aqueles que ainda irão aprender ficaram surpresos com a interação promovida pelos atores, sem falar na forma de como a peça foi abordada. Hélia Antunes, estudante de 17 anos, afirma que foi “muito interessante como a peça conseguiu ilustrar os problemas de hoje em dia como a guerra, os problemas com o ambiente”.

A reflexão levantada no palco estende-se a uma questão central: “Como é possível que quatro séculos depois, os vícios humanos ainda continuem a ser os mesmos? Como é possível que o homem não aprenda com este tipo de texto literário?”, questiona Lúcia Pinto, reforçando o poder da literatura para “mover” e transformar.

O Festival de Teatro da Covilhã, que celebra a sua 45ª edição e acontece no Teatro das Beiras, continua a missão de promover a cultura, valorizando a diversidade de espetáculos para o público adulto, infância e juvenil.

Ao trazer peças reflexivas para a Covilhã, o festival reafirma o papel essencial do teatro como espelho da sociedade. A produção da ACTA, com a sua mistura de humor e crítica social, prova que a luta contra a corrupção e os vícios humanos é uma conversa intemporal tão urgente hoje quanto era nos outros séculos. Desta forma, o 45º Ciclo de Teatro de Outono cumpre a sua missão, usar a arte para deleitar, ensinar e, acima de tudo, promover o pensamento crítico e o exercício da cidadania junto ao público, especialmente os mais jovens.

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