“Eu tenho muitas dificuldades em seguir algumas regras”, diz enquanto cruza os pés em cima da secretária do escritório. “Mas, pronto… isto era para quê? O que me estava a perguntar?”.
As aparências iludem. Apesar da descontração e da irreverência , Francisco Figueiredo é um profissional sério e focado no trabalho . De cabelo grisalho e óculos quadrados, a cara vincada não esconde os anos de experiência.
Com 64 anos, é diretor do semanário Notícias da Covilhã. “Faço de tudo, menos ser diretor”, confessa num tom jocoso, enquanto desliga o computador e se senta direito.
Natural de Leiria, onde passou a infância e a juventude, sempre nutriu uma paixão por Lisboa, para onde se mudou ainda jovem. “Costumo dizer que, apesar de ter nascido em Leiria, a minha cidade é Lisboa”.
O contacto com o jornalismo começou cedo. Desde o princípio que se recorda de uma relação com a informação, fruto dos jornais que os pais recebiam todos os dias em casa. “Sempre gostei muito de jornais, aprendi a ler com 3 anos no Diário Popular”.
Um dos seus grandes interesses é o desporto, particularmente o futebol: “lembro-me, quando era miúdo, na primária, e até quando já era adolescente, de fazer relatos de futebol sozinho, só para mim”.
Era um rapaz de 13 anos quando se deu o 25 de Abril e as memórias que traz desse dia são dos jornais que se desdobraram em várias edições: “logo pela manhã, os matutinos tiveram duas edições, e os vespertinos a mesma coisa”.
Não se esquece também do período que se seguiu à revolução, quando, por influência da família, foi militante de uma juventude partidária. “Andei nesse processo durante dois ou três anos, mas depois achei que não era para mim, pois, de facto, não gosto de arrebanhar”.
Depois de acabar o liceu, não seguiu para a faculdade. “Eu podia ter estudado mais depois do termo do liceu… Não deu, porque não havia condições económicas e tinha muitas dúvidas na minha vida. Os meus pais tinham-se separado, eu era o filho mais velho de três irmãos e decidi não pressionar muito o assunto. Achei que podia ter uma vida normal sem ter a licenciatura”. E assim foi…
A primeira ocupação foi como empregado de mesa, e não deixa de apontar semelhanças com a área em que mais tarde viria a ingressar: “costumo dizer que para ser bom jornalista é preciso primeiro ser bom empregado de mesa; ambos têm de saber ouvir bem”.
Foi o ambiente de libertação pós-25 de Abril, que lhe abriu caminho para o jornalismo. “Nos primeiros anos da década de 80, durante o boom das rádios piratas, ajudei a formar a Rádio Leiria e estive ligado à fundação de um jornal”.
Esteve também vinculado, como produtor, ao agora extinto Teatro Experimental de Leiria (TELA), o que o levou a explorar o jornalismo amador. “A cidade [Leiria] tinha algum vigor do ponto de vista cultural; por via da ligação ao teatro, eu, mais um grupo de amigos, tivemos um programa de informação na rádio”. Foi nesta altura que tomou a decisão de ser jornalista profissional.
Em meados da década de 80, decide mudar-se para Lisboa e, em 1987, entra para a secção de desporto da RTP, através de uma candidatura. “Foi sorte, devem ter achado graça ao meu estilo”.
A partir daí, dedica-se inteiramente ao jornalismo. “Tive anos e anos seguidos em que trabalhava mesmo muito; nunca cumpri horários, dava sempre horas à empresa. E nunca fiz esforços nenhuns, pelo contrário, pois gostava imenso do jornalismo que fazia na RTP”.
Depois de dois anos como estagiário, obteve a carteira profissional e entrou para o quadro da RTP. “Na altura, ter a carteira profissional era uma coisa extraordinária”. Durante anos, sentiu grande orgulho em possuir a carteira de jornalista. Hoje, no entanto, admite não a ter, refletindo uma mudança na forma de como vê a profissão.
Permaneceu durante dez anos como repórter na informação desportiva da RTP. Depois, fez uma pausa de um ano em São Paulo, por questões pessoais. “Quando eu voltei do Brasil, a Direção de Informação tinha mudado e não me deixaram voltar para o desporto. Fui para a Informação Geral, onde corri os postos todos: apresentei algumas coisas, fui editor e coordenador”.
Segundo Francisco Figueiredo, a RTP era, à época, fortemente politizada, o que gerava frustrações entre os profissionais menos alinhados com a estrutura interna. “Quem não se conseguia adaptar, vivia num clima de constante desvalorização”.
Considera também que a RTP não se preparou para o surgimento dos canais de televisão privados. As audiências da RTP começaram a cair. “Estes canais apareceram no espaço mediático com uma dinâmica com a qual a RTP não conseguia competir”.
Em 2003, decide abandonar a estação. “Cansei-me da forma de como as coisas estavam a correr”. Deixa de trabalhar na comunicação, abre um restaurante em Lisboa e dedica-se à restauração. “Embora me sentisse sempre jornalista. Inclusive, naquele período, continuei a ter a carteira profissional. Só mais tarde, depois de uma “guerra” com a Comissão é que deixei de a ter”.
Doze anos depois, em 2015, recebe um convite para gerir um projeto de comunicação na cidade de Praia, capital de Cabo-Verde. “As coisas não correram muito bem a nível do projeto, mas acabei por ficar por lá”.
Onde se fecha uma porta, abre-se uma janela. “Associei-me a um residente e abri o meu próprio negócio de comunicação, também ligado a outras áreas, como o design”. A empresa acabou por não resistir aos efeitos da pandemia de Covid-19, combinados com as limitações da escala do mercado cabo-verdiano.
Regressa a Portugal em 2021. “Pouco depois de voltar, comecei a colaborar com a Sport TV, devido à minha experiência na informação desportiva televisiva”. Uma relação que manteve até ao início do ano de 2025.
Por volta da altura do seu regresso, a Câmara Municipal da Covilhã propõe ao Grupo Polideia a aquisição do Notícias da Covilhã, jornal que durante mais de cem anos foi propriedade da diocese da Guarda, mas tinha ido à falência.
A gerência acaba por ficar nas mãos da GoldDigger, uma das várias empresas deste grupo ligadas à comunicação. “A Câmara comprometeu-se a garantir a existência do jornal, e, sobretudo, assegurar a força de trabalho, que esteve muitos meses sem receber”.
Francisco Figueiredo é escolhido para diretor do Notícias da Covilhã, devido à relação de muitos anos com o presidente do Conselho de Administração da GoldDigger, que reconheceu a sua experiência como profissional da comunicação e do jornalismo. “Gosto de experimentar coisas novas”.
“Quando cheguei aqui, os jornalistas que trabalham no jornal já o fazem há muitos anos; era mais natural eu adaptar-me à realidade da Covilhã, do que eles a mim”.É a própria equipa que gere o jornal do ponto de vista editorial. “Posso eventualmente coordenar algumas coisas, escrevo , faço a distribuição. Tudo isto é um trabalho de equipa”. Gosta de dar espaço aos trabalhadores para tomarem decisões. “Sempre foi o meu modus operandi, mesmo quando estive em outros cargos de direção, como Gestor de Informação da RTP”.
A sua função favorita, apesar de ter de utilizar o carro pessoal para o fazer, é a distribuição dos jornais, tarefa que partilha com o paginador , Rui Delgado. “O jornal é distribuído entre Castelo Branco e a Guarda. Eu acho piada, porque meto sempre dois dedos de conversa e conheço sempre alguém novo”.
O contacto direto com a população é uma das chaves para se fazer bom jornalismo regional. “Não é nada mais do que a lógica de prestar um bom serviço. O nosso objetivo é informar e valorizar as próprias pessoas a quem prestamos esse serviço”.

Outra particularidade da imprensa regional, é o foco em áreas esquecidas pela comunicação social nacional. “Praticamos o jornalismo de proximidade. As nossas páginas refletem a realidade da Covilhã e das freguesias. As pessoas leem estas notícias no seu jornal, não no nacional”.
O jornal tem a particularidade de ser gratuito, uma estratégia para atrair publicitários através da visibilidade, alcance e acessibilidade.
“Por vezes a publicidade não chega e a Administração tem de injetar dinheiro no jornal”. Mas esta é a realidade da imprensa em Portugal, e não apenas nos jornais regionais.
O Notícias da Covilhã conta atualmente com uma equipa de quatro pessoas, incluindo o diretor, o que Francisco Figueiredo considera insuficiente. “Conseguimos fazer bem o trabalho, mas devíamos ter uma equipa maior e, inclusive, uma equipa dedicada apenas ao marketing e à publicidade”.
Fazer inovações no jornal é difícil. “Simplesmente não temos meios para isso. Talvez a GoldDigger achasse que isto era uma maravilha e passados dois ou três meses o jornal já estava a dar dinheiro. Mas as coisas não se fazem de um dia para o outro”.
O objetivo é realista: “É preciso consolidar. Se conseguirmos, pelo menos, não perder dinheiro, talvez a empresa possa olhar para nós noutro registo Espero que as pessoas exijam cada vez mais que o Notícias da Covilhã seja o jornal de referência da cidade”
