Teatro das Beiras: uma história de 50 anos de dedicação ao teatro
A história do Teatro das Beiras é inseparável da Revolução. São 50 anos de uma companhia profissional que se dedica à produção de espetáculos teatrais e à organização do Festival de Teatro da Covilhã. O diretor artístico, Fernando Sena, não se esquece das tentativas de enfrentar a PIDE.
Durante a ditadura do Estado Novo, a censura e a repressão marcaram a vida de muitos artistas portugueses, entre eles estava Fernando Sena, que nunca se deixou intimidar pela vigia persistente da polícia secreta do regime. A presença da polícia nos teatros tornou-se quase uma rotina e os artistas, conscientes de que estavam a ser vigiados, sabiam que cada palavra ou gesto poderia significar uma detenção, no entanto, Fernando Sena nunca se acobardou e apesar das constantes pressões, soube utilizar o humor como uma arma poderosa e mesmo sob o olhar atento da PIDE, manteve-se firme a realizar o que mais gosta: transformar o palco num espaço de revolta e liberdade, onde as reações do público eram mais significativas do que qualquer discurso político.
Sobre a Companhia, Fernando Sena revela que não se limita a nada por estar numa cidade do interior e acredita que “as cidades do interior têm pessoas que podem ver qualquer tipo de espetáculo, tal como qualquer outra cidade”. O Teatro das Beiras orgulha-se do seu público fiel que o acompanha há cinco décadas, mas apesar do seu percurso, a companhia já enfrentou obstáculos como a falta de um espaço próprio para ensaiar.
“As dificuldades foram surgindo e à medida que o patamar sobe, mais dificuldades foram surgindo. Durante muitos anos, estávamos sempre dependentes da cedência do teatro municipal que na altura não era teatro municipal, era o teatro da Covilhã que era privado e essa foi uma das grandes dificuldades que atravessamos durante mais de 20 anos”, conta Fernando Sena.
Sempre com uma resiliência notável, o Teatro das Beiras procurou colaborações e co-criações em Portugal, como também a nível internacional, como o espetáculo em comemoração dos 100 anos de José Saramago com o Karlik Dança Teatro de Cáceres, de Espanha. Quanto ao futuro, a companhia tem uma candidatura aprovada para o quadriénio 2022/2026 e espera que não haja alterações nas diretivas do Ministério da Cultura. Fernando Sena menciona que a companhia escolhe os espetáculos de acordo com as suas possibilidades financeiras: “não pomos o carro à frente dos bois”.
Segundo Fernando Sena, os jovens tem apoiado cada vez menos a cultura e o comportamento do Ministério da Educação não tem sido o melhor: “são consequências de políticas que penso que são completamente erradas e que fazem um afastamento muito grande entre a educação e a cultura, não é só na área do teatro, acho que nas outras áreas da cultura também”. E acrescenta que “seria interessante que as novas gerações participassem nos espetáculos que são realizados na cidade, porque hoje não é claro que sejam esses os interesses e as motivações da maioria dos jovens, mas seria muito importante que se desse uma grande volta nessa situação e começássemos a ter um público essencialmente jovem, que é o que existe menos hoje”.
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O Teatro Municipal da Covilhã: um espaço com desafios e potencial
Não longe, o mesmo apelido. Rui Sena partilha o gosto pelo teatro com o irmão. Dirige o Teatro Municipal da Covilhã desde 10 de Agosto de 2020, procurando promover a cultura na cidade através de uma programação cultural diversificada.
A história de Rui Sena começa lá atrás, na década de 70, quando, ainda jovem, deu os primeiros passos no GICC – Teatro das Beiras, ao lado do irmão. Ao longo dos anos, conseguiu construir uma carreira sólida, passando por diferentes regiões e projetos, entre os quais o Teatro Virgínia, em Torres Novas, e a fundação da Quarta Parede – Associação de Artes Performativas, na Covilhã. A experiência alcançada com a programação cultural e a direção artística, tornou-o no nome certeiro para assumir as rédeas do Teatro Municipal da Covilhã.
Desde a sua reabertura em 2021, o teatro conseguiu mais de 50.000 espetadores em 3 anos, mas há sempre a ambição de fazer mais. O teatro opera com 60% de acolhimentos e 40% de programação, procurando um equilíbrio de 50% para cada. No entanto, a equipa do teatro é reduzida, o que exige um grande esforço para dar resposta ao número de espetáculos.
Um dos principais desafios é a limitação financeira, com uma verba anual atribuída pela Câmara Municipal. Apesar disso, o teatro tem procurado manter uma programação variada, incluindo teatro, dança e música. O regulamento interno do teatro permite que cada estrutura profissional utilize o espaço cinco vezes por ano, o que otimiza a oferta cultural. O diretor do teatro, Rui Sena, afirma que “ a meta principal é intervir mais junto da comunidade, levando o teatro às diversas freguesias do concelho”. O teatro tem também um olhar específico sobre o território com que trabalha diariamente e Rui Sena refere que a estrutura está sempre em movimento e transformação para oferecer o melhor ao espectador: “olhamos para a programação e temos de pensar no espetáculo que é escolhido, na montagem que é muito importante e que na verdade é tanto a nível técnico como físico. Físico em termos do que é exigido aos técnicos em cada montagem e que é o mais complicado, mas depois há toda uma equipa, desde a bilheteira, assistentes de sala, frente de casa, que é exigida para cada vez que abre a porta. E, portanto, é dentro dessa perspetiva que eu digo que a equipa é reduzida e também porque sabemos o que é que isso exige a cada um e há um tempo invisível, que não é o tempo do espectador, como é evidente, nem tem que ser, mas há um tempo invisível de trabalho, porque quando o espectador se senta, esperemos que continue o pensamento comodamente para ver o espetáculo, já há longas horas ou dias de trabalho dentro do teatro para que esse espetáculo possa acontecer”.
Asta Teatro: inovação e serviço educativo como “pilares”
A Asta Teatro, com quase 25 anos de existência, é uma companhia que se distingue pela visão contemporânea das artes e da cultura. Maria do Carmo Teixeira, da direção da Asta, explica que a companhia se baseia em cinco pilares fundamentais: criação, programação de festivais, serviço educativo, projetos de investigação e circulação nacional e internacional.
A vida pessoal de Maria do Carmo Teixeira está inteiramente ligada à da companhia, sendo que a paixão pelas artes e pela cultura a impulsionou a fazer parte deste projeto desde o início. A sua experiência ao longo dos 25 anos da Asta Teatro tem sido marcada por uma luta constante, tanto a nível financeiro como criativo, mas sempre com o objetivo de superar as dificuldades. Apesar dos desafios, Maria do Carmo mantém uma visão positiva sobre o futuro do teatro.
A Asta Teatro organiza quatro festivais anualmente e trabalha com todas as faixas etárias no serviço educativo e desenvolve projetos de investigação em várias áreas, sempre com a arte como ponto de ligação. “Um dos exemplos é o festival Portas do Sol, um festival de artes de rua que acontece no centro histórico da cidade, este festival inclui espetáculos de novo circo, dança aérea e vertical, e procura envolver a comunidade local. O festival Portas do Sol é organizado e financiado pela própria Asta”, conta Maria do Carmo Teixeira.
No entanto, a companhia enfrenta dificuldades com o financiamento. A falta de um espaço próprio para ensaiar e para apresentar espetáculos leva à necessidade de deslocações para outros locais. Maria do Carmo Teixeira lamenta: “muitas vezes a cultura é sempre colocada para último”.
A Asta Teatro tem um contrato com a Direção Geral das Artes e recebe apoio do município, mas a cultura é frequentemente marginalizada, a companhia procura trazer originalidade ao seu trabalho e envolver mais os jovens, através do serviço educativo, que são vistos como “um pouco amorfos em relação a vários assuntos”.
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Fotografia: Luís Cutileiro.
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Fotografia: João Inácio e Rui Espinho
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Fotografia: João Inácio e Rui Espinho
Kayzer Ballet: uma companhia de dança com perspetiva global
A Kayzer Ballet é a mais recente da Covilhã. Foi fundada em 2014, como companhia de dança contemporânea com uma forte componente internacional, liderada pelo diretor artístico e coreógrafo Ricardo Runa.
Ricardo Runa participou no programa “Got Talent Portugal”, onde começou a ganhar destaque na dança com a Kayzer Ballet e embora não tenha vencido a competição, a participação no programa foi um marco importante para a sua carreira e deu visibilidade ao seu trabalho artístico, além de aumentar a visibilidade da Kayzer Ballet. A participação no “Got Talent Portugal” permitiu ao Ricardo e à companhia ganhar reconhecimento nacional e mundial.
A companhia funciona também como um espaço de estágio para bailarinos, muitos deles vindos de todo o mundo. A Kayzer Ballet tem nove bailarinos fixos e desenvolve projetos inclusivos com crianças e jovens com necessidades educativas especiais: “já mais de 100 bailarinos de todo o mundo passaram por aqui e agora tem carreiras internacionais”.
Sediados no Clube União da Covilhã, já há 11 anos, a Kayzer Ballet dança para o país, para a região e para o mundo, como refere Ricardo Runa: “Estamos no interior, mas somos do mundo”.
A companhia enfrenta dificuldades com a interioridade e com limitações financeiras, contando com o apoio do município, de várias entidades e da Universidade da Beira Interior.
Um dos maiores objetivos da Kayzer Ballet é dinamizar a dança e cativar as pessoas para virem ao teatro. Ricardo Runa salienta que “quem diga que na Covilhã não há cultura é porque não a procura”.
A companhia procura envolver mais jovens, oferecendo bilhetes para os seus espetáculos, mas também defende a necessidade de valorizar o trabalho dos artistas e da cultura, uma vez que não é fácil montar este tipo de espetáculos “Pensem que é só um convite ou são só 10 € que se formos contar o trabalho que nós temos para montar um espetáculo, 10 € por pessoa é barato”, diz Ricardo Runa, acrescentando que “é sempre exigente, principalmente quando envolve muitas crianças de diversas idades, desde os 5 anos até aos 40…, portanto, é sempre um desafio grande ter muitas crianças e é uma logística que temos que tratar para a escola funcionar com eficácia, é necessária uma ponte entre as escolas, desde o ensino básico até ao secundário”.
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Créditos: Kayzer Ballet
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Foto: MoveNoticias
A voz da música: o Coro e a Orquestra da Beira Interior
Luís Cipriano, maestro da Orquestra Clássica da Beira Interior e do Coro Misto da Beira Interior, considera que a Covilhã tem uma boa produção cultural e apoio da autarquia. No entanto, critica a gestão do Teatro Municipal, considerando-a ineficiente e com horários pouco flexíveis, sobretudo por causa do encerramento aos domingos e às segundas-feiras.
Luís Cipriano defende que o teatro devia ter outro tipo de abertura, com workshops e atividades para os mais novos. O maestro propõe ainda a criação de um banco de horas no teatro para que possa funcionar de forma mais flexível.
Apesar das dificuldades, a Orquestra e o Coro têm levado a sua música a várias partes do país e do mundo. O Coro Misto, por exemplo, já teve mais concertos no estrangeiro do que em Portugal. Luís Cipriano destaca a importância de levar a cultura às pessoas, indo às aldeias, formando público e promovendo a inclusão social. “Se as pessoas não vêm à cultura, tem de ir a cultura às pessoas”, afirma.
Luís Cipriano critica ainda a falta de apoio do Ministério da Educação à cultura, referindo que “a partir do momento que se tem 1 hora e meia por semana, no quinto e no sexto ano, e depois não há mais, está tudo dito”.
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Desafios e perspetivas futuras
A questão do financiamento é um tema recorrente, com as companhias de teatro e outras instituições a dependerem de apoios do Ministério da Cultura através da Direção-Geral das Artes (DGArtes) e do município. No entanto, estes apoios nem sempre são suficientes para cobrir todos os custos de produção e segundo as companhias da região existe uma perceção de que os apoios são frequentemente direcionados para os grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, deixando as regiões do interior em desvantagem.
As dificuldades logísticas também se fizeram sentir, desde a necessidade de deslocações para obter materiais específicos, até à dificuldade em atrair críticos e público de outras regiões.
Entre os responsáveis, há uma preocupação notável com a diminuição do interesse das novas gerações pela cultura, especialmente no que se refere às artes performativas, para as companhias, a falta de articulação entre o Ministério da Educação e as companhias de teatro contribui para este afastamento, assim como a falta de oferta de atividades culturais para os mais novos.
Para o futuro há um consenso de que é necessário um maior investimento na cultura, tanto por parte do Estado como dos municípios, ultrapassar os 1% do orçamento do Estado é fundamental para garantir um desenvolvimento cultural mais consistente. Apesar das dificuldades que enfrentam, Fernando Sena, Luís Cipriano, Maria do Carmo Teixeira, Ricardo Runa e Rui Sena não perdem as esperanças para o futuro.