Por trás das páginas que preenchem as estantes e as listas de leitura, há histórias de luta, inspiração e resiliência. A nova geração de escritores portugueses está a redefinir a literatura nacional, explorando temas universais e contemporâneos enquanto enfrenta as complexidades do mercado editorial. Nesta reportagem, mergulhamos nos processos criativos, nas dificuldades enfrentadas e nas visões de autores emergentes – Célia Correia Loureiro, Maria Francisca Gama e Rui Couceiro – que já conquistam o seu espaço.
Inspirações e Trajetórias
Cada escritor tem uma jornada única, marcada por referências literárias e experiências pessoais. Célia Correia Loureiro, autora de romances históricos, encontrou inspiração em nomes como Isabel Allende e Nicholas Sparks. “Admiro qualquer autor que tenha triunfado no mundo editorial a custo”, afirma.
Maria Francisca Gama, por sua vez, inspira-se nas pequenas coisas do cotidiano:
“Leio muito em cafés, ando a pé, observo o mundo. A infância, os medos e sonhos também são motores do meu trabalho.”
Já Rui Couceiro, autor emergente que tem conquistado espaço no panorama literário, a trajetória é guiada por figuras icónicas e pelo trabalho árduo , não escondendo a sua admiração pelos clássicos, que considera uma influência duradoura.
“No meu caso, talvez Laurence Sterne seja a maior influência. E também Calvino, muito mais contemporâneo, mas um grande defensor dos clássicos, que certamente se tornará ele próprio um enorme clássico. E, cá dentro, Eça e Camilo também merecem referência óbvia, tal como o gigante Saramago, que será o mais lido dos clássicos portugueses nos próximos séculos em todo o mundo. Pondo as coisas dessa forma, digamos que identifico a existência de inspirações de carreira e inspirações criativas. E exemplificarei com dois dos nossos maiores escritores. Em termos de carreira, José Saramago dá alento a qualquer um, visto que só começou o seu percurso de escritor, se excluirmos a publicação de Terra do Pecado, quando tinha 25 anos, aos 55. Isso ajudou-me a acreditar que começar aos 38 não seria demasiado tarde. No plano criativo, António Lobo Antunes é um exemplo magnífico, porque, a partir de dado momento, deixou a psiquiatria e nada mais fez além de escrever, demonstrando que a inspiração é justamente o trabalho, e dando sempre conta, através de entrevistas, de que é sempre possível escrever melhor.”
Escrever um livro é um processo repleto de obstáculos. Célia Correia Loureiro lembra as dificuldades em estruturar a narrativa de Uma Mulher Respeitável:
“Demorei meses a encontrar o ângulo certo para contar a história sem desvendar a identidade de uma personagem crucial.”
Maria Francisca Gama descreve as crises de confiança ao longo do processo: “O maior desafio é decidir que esta é a história certa e confiar nela até o fim.” Para Rui Couceiro, as primeiras tentativas de escrever romances na adolescência e no começo da idade adulta, foram todas frustradas: “Não tinha ainda nem a prática, nem as leituras, nem o conhecimento, nem a determinação necessárias à escrita de um romance. Foi, portanto, o tempo, ou, se preferirmos, o tempo passado a trabalhar, que, a dada altura, me permitiu deixar de falhar dessa forma”, afirma.
Temas Contemporâneos e Relevância Social
A nova geração aborda temas atuais com profundidade e sensibilidade. Célia Correia Loureiro dedica-se a questões como violência contra mulheres, doenças mentais e história portuguesa: “Os meus livros são mais de denúncia social do que de ativismo político”. Maria Francisca Gama explora o feio e invisível: “Falo sobre fé, amor, prostituição, vícios e violência de género, porque são temas que me inquietam”. Rui Couceiro combina questões clássicas, como amor e morte, com preocupações modernas, como alterações climáticas e gentrificação. Segundo o autor, a literatura deve refletir o tempo em que se vive. “Procuro que aquilo que escrevo seja capaz de compatibilizar os temas clássicos da literatura, como a morte ou o amor, com preocupações ou assuntos que me interessam enquanto cidadão e enquanto autor, na contemporaneidade. Daí que, no primeiro livro, tenha falado da morte e da amizade, mas também do vício dos smartphones, do isolamento a que são votados os mais velhos, da desertificação do interior, entre outros temas. No segundo romance, abordei novamente a perda e o amor, mas toquei temas como o turismo de massas, a gentrificação, ou as alterações climáticas”, afirma.
O panorama literário está mais diverso do que nunca, graças às vozes emergentes. Célia aponta o surgimento de novos géneros, como distopias e policiais, antes pouco explorados em Portugal. Maria Francisca acredita na singularidade de cada escritor: “A literatura vive da perspetiva única de quem escreve”. Rui celebra o talento de novos autores: “Enquanto leitor, tenho visto com agrado o aparecimento de novos autores muito talentosos, como o Francisco Mota Saraiva, por exemplo, que acaba de vencer o Prémio Saramago, ou a Marta Pais Oliveira” , afirma.
Conselhos para Novos Escritores
Os três autores concordam que o mercado editorial exige dedicação e estratégia.
Célia Correia Loureiro enfatiza a importância de ler: “Ler muito é o primeiro passo. E quando escrever, questione tudo: quem são as personagens, o que faz sentido narrar, qual é o ritmo ideal”. Maria Francisca Gama ressalta a escolha de uma editora alinhada com o estilo do autor: “O livro torna-se um trabalho de grupo. Escolham bem o vosso grupo e não dependam apenas da editora para divulgar a obra”. Já Rui, oferece conselhos valiosos baseados na experiência e observação do mercado editorial: “Se o que procuram é uma editora que aposte no trabalho deles, digo sempre o mesmo: vão a livrarias e procurem perceber que editoras apostam em obras em cuja família literária o vosso livro se insere. E depois proponham-no a essas editoras mencionando essa vossa filiação, digamos assim” , afirma. Ainda assim, reconhece os desafios presentes: “É difícil inovar em literatura, dado que já se fez tanto de tão formidável ao longo dos séculos. Mas, como toda a criação é uma recriação, vão sempre surgindo novos grandes livros e nós, leitores, agradecemos. Quando as colheitas são menos boas, ficamo-nos pelos clássicos, que já têm tudo para nos dar”, afirma.
A experiência com editoras tradicionais varia entre os autores. Célia destaca os benefícios da publicação tradicional: “Oferece estatuto, acesso a eventos literários e suporte editorial. No entanto, a remuneração pode ser limitada”. Maria Francisca elogia a colaboração com sua editora: “Sinto que todos querem caminhar comigo e melhorar o meu trabalho”. Já Rui, que também é editor, admite que só conhece a realidade das editoras tradicionais, mas reconhece o papel crescente das plataformas digitais. “Eu sou editor de uma editora tradicional e, enquanto autor, sou publicado numa editora também dita tradicional, pelo que é essa a única realidade que, de facto, conheço. (…) As redes sociais oferecem contacto direto com os leitores e isso é muito bom, uma vez que recebemos retorno de forma frequente e direta. É gratificante e motivador. Publicito o meu trabalho através das redes sociais – Facebook, Instagram e Linkedin, sendo que o Facebook é claramente o mais adequado ao público dos meus livros”, afirma.
Célia usa o Instagram e Facebook para interagir com leitores: “Receber feedback direto é gratificante e ajuda na divulgação”. Maria Francisca aproveita diversas plataformas, incluindo o TikTok, para promover seus livros: “A internet é democrática e permite que novos autores tenham visibilidade”. Rui reconhece o potencial das redes sociais, mas lamenta o declínio da imprensa tradicional: “São uma bela ferramenta. Não fazem tudo, infelizmente, mas ajudam. É uma pena, sobretudo, a decadência da imprensa, que era fundamental para a literatura”, afirma.
A nova geração de escritores portugueses demonstra criatividade, resiliência e a capacidade de dialogar com o público e os desafios do presente. Seja através de romances históricos, contemporâneos ou experimentais, as suas obras enriquecem o panorama literário e reafirmam a relevância da literatura como um espelho da sociedade.