Desinformação nas Legislativas 2025 ainda “não é preocupante”

Chega, de André Ventura, é o líder da desinformação, segundo o estudo, com mais de 80 por cento dos casos identificados. Foto: Daniel Rocha
Conteúdos em formato de vídeo, redes sociais e apelo aos mais jovens estão entre as principais estratégias apontadas pelo estudo da UBI e da ERC. A desinformação ainda não é alarmante, mas cresce e acompanha a ascensão da extrema-direita no espaço digital.

Apesar do aumento da desinformação nas redes sociais durante a campanha para as Legislativas de 2025, o fenómeno não atinge, para já, um patamar alarmante. É esta a principal conclusão de João Canavilhas, docente da Universidade da Beira Interior (UBI) e coordenador do estudo “Desinformação nas Legislativas 2025: atividade dos partidos nas redes sociais”.

Em entrevista à Agência Lusa, o docente da Faculdade de Artes e Letras (FAL) explica que, embora se tenha registado um crescimento de 160 por cento nos casos de desinformação em comparação com eleições anteriores, esse número deve ser contextualizado. “São apenas 16 casos em 4514 publicações dos partidos. Sem este segundo número parece preocupante, mas estamos a falar apenas de 0,4 por cento de publicações desinformativas nas redes dos partidos”, sublinha.

João Canavilhas reconhece que esta tendência acompanha o que se observa a nível internacional, considerando que “a desinformação está a crescer em todos os países e Portugal não é exceção.” No entanto, defende que o cenário nacional se mantém controlado, em parte devido ao facto de haver entidades e estruturas de monitorização que inibem práticas mais graves de desinformação. “O facto de ser noticiado que existem laboratórios em Portugal que estão atentos a este fenómeno, teve algum efeito nos partidos”, considera.

Um dos laboratórios de investigação a preocupar-se com estas questões é precisamente o LabCom, na FAL, que através deste relatório estudou os mecanismos de desinformação nas redes sociais durante as Eleições Legislativas de 2025, com especial enfoque na atuação dos partidos com assento parlamentar. Desenvolvido ao abrigo de um protocolo com a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o trabalho teve como finalidade identificar os padrões de desinformação ao longo do período eleitoral, contribuindo para minimizar os seus efeitos na decisão dos eleitores. As conclusões mais relevantes indicam um aumento da presença de desinformação no espaço digital público.

Outro dos dados relevantes do estudo diz respeito aos conteúdos de teor desinformativo, que estão sobretudo associados à extrema-direita. “Em Portugal, percebemos que mais de 80 por cento dos casos identificados no estudo são do Chega, que também acaba por explorar todas as variedades de desinformação”, aponta João Canavilhas.

Também a eficácia do formato vídeo como ferramenta de propagação de mensagens políticas foi um aspeto sublinhado no relatório. O docente da FAL considera, de resto, “preocupante” que o vídeo seja tão eficaz, sobretudo em plataformas como o TikTok, muito populares entre os jovens. “Os estudos dizem que há cada vez mais jovens a informarem-se através das redes sociais, enquanto nas gerações mais velhas ainda existe um contrapeso com os media tradicionais”, sublinha João Canavilhas. E, nesse sentido, o docente não tem dúvidas em afirmar que “as pessoas acabam por ser mais crentes em relação ao que veem, face ao que leem ou ouvem”, facto que tem sido, de resto, aproveitado estrategicamente pelos partidos políticos.

Sobre a eventual utilização de inteligência artificial na criação desses conteúdos, João Canavilhas acredita que, até ao momento, o recurso à IA tenha sido mínimo, limitado a operações simples de edição. No entanto, antecipa cenários mais complexos no futuro: “No momento em que a IA começar a ser usada para a criação de ‘deepfakes’ (…) tornar-se-á bastante difícil distinguir aquilo que é um vídeo verdadeiro daquilo que é um vídeo complemente criado pela IA”.

O docente e investigador integrado do LabCom conclui com uma reflexão sobre o impacto das redes sociais fechadas, como os grupos de WhatsApp, onde a propagação de desinformação escapa a qualquer forma de escrutínio público. João Canavilhas acredita que nestes espaços “são injetadas pílulas informativas falsas que surtem efeitos”, pelo que se torna “impossível de controlar a desinformação”, alerta. Para o docente, esta realidade agrava o desafio da verificação de factos, já que “a circulação do desmentido nunca atinge o mesmo número de pessoas que a falsa notícia”, fenómeno que a IA pode acelerar ainda mais.

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