Os movimentos ágeis e sensíveis misturam-se com o colorido dos fios de algodão e lã. Sobre a mesa, num espaço aquecido e aconchegante do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, estão esquemas, linhas e agulhas. Predominam as de tonalidade vermelha que se vão tornar cravos de crochê em celebração dos 50 anos da revolução que pôs fim à ditadura em Portugal.
A ideia de criar este clube nasceu de um grupo de mulheres de diferentes idades e nacionalidades que têm em comum o gosto pela criação de tecidos, além de muita criatividade. Encontraram-se pela primeira vez durante a realização do projeto de arte têxtil “Wool é cool” realizado em fevereiro, que reuniu cerca de 60 pessoas para o ensino e aprendizagem das técnicas de tricô e crochê. O projeto prevê cinco encontros, o próximo já marcado para o dia 23 de março. “Esta dinâmica de convívio e partilha é uma alegria no sentido de ser o impacto do ‘Wool é cool’ na comunidade”, afirma a diretora do Museu de Lanifícios, Rita Salvado.
Maria João Santos, informática na UBI, é uma das fundadoras do clube. Nunca dominou a técnica do crochê, mas admira quem sabe tecer. Este foi o fio condutor que levou à criação do grupo na Covilhã. “Está-se a fazer muito pouco no país, toda a gente sabe que são 50 anos, mas acho que está a cair no vazio. Não temos que estar a espera que se organizem festas, a festa deve ser nossa”. Os cravos são considerados simples de serem feitos em crochê, mas carregam um significado que o grupo quer reafirmar com esta iniciativa. “As pessoas habituaram-se a viver assim (em liberdade), a crescer assim, e pensam que isto é tudo natural, mas é tão fácil cortar”.
Estudante do segundo ano do mestrado em Design Industrial, Virgínia Garbim aprendeu o crochê com a avó e, apesar de ter vindo do Brasil, acredita que a produção de cravos tem uma simbologia capaz de passar uma mensagem de resistência, especialmente agora que o país saiu das eleições legislativas com uma mudança significativa de composição parlamentar. “Neste momento de instabilidade, de tanta dúvida talvez, fazer esse resgate é importante. O 25 de Abril veio para libertar todo mundo, incluindo todos os imigrantes que estão aqui, como os portugueses, aproveitando essa liberdade que foi conseguida com a revolução”.
Para Virgínia, o crochê também é uma ferramenta de liberdade já que permite a criação infindável de objetos, de maneiras muito diversas. “Não existe o certo e o errado, existe o seu jeito de fazer que se encaixa no processo de criação”. A estudante quer transformar essa experiência em pesquisa etnográfica que pode contribuir para a valorização da lã e das atividades manuais.
O clube já conta com 15 pessoas, incluindo dois homens. Carolina tem apenas 12 anos e também quis participar. Tem a avó na memória quando diz que o crochê é “coisa de velhinhas e ela gosta de coisas de velhinhas”. Para Rita Salvado, a criação do clube é também a evolução de um projeto participativo de turismo criativo e sustentável para a mobilização de estudantes, turistas e da comunidade local. Após as comemorações do 25 de Abril, a ideia é que o grupo continue os encontros para produzir novas peças baseadas em outras comemorações populares.