No Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, uma tarde de dezembro transformou-se em ponto de encontro entre quem aprende e quem ensina, entre dedos jovens e mãos marcadas pelo tempo.
A oficina “Wool é Cool” voltou a encher a Real Fábrica Veiga com linhas coloridas, histórias partilhadas e o som ritmado das Adufeiras da Casa do Povo do Paúl, num convívio que mostrou como a lã continua a ser um fio que cose identidades.
Sentados em redor de um grande pano comunitário, os participantes começaram por aprender os pontos mais simples, trocando impressões sobre a melhor forma de segurar a agulha e de controlar a tensão da linha. Não há pressa, cada ponto é um pequeno compromisso com a tradição.
JP, presidente da direção da Casa do Povo do Paúl, explica que foi essa lentidão que mais o surpreendeu. Para ele, habituado a um quotidiano acelerado entre aulas, prazos e notificações, bordar acabou por ser um exercício de foco e de escuta. Diz que, à medida que o pano ia ganhando textura, também as conversas se tornavam mais íntimas, passando de comentários sobre técnica para memórias de infância e histórias de família ligadas à lã.
Andreia Félix, técnica têxtil do museu, sublinha a importância de fazer esta atividade dentro da universidade. Considera que trazer o bordado é uma forma de aproximar estudantes, população local e o próprio museu, que muitos ainda conhecem apenas de nome. Entre um ponto e outro, Andreia nota que vários participantes confessaram nunca ter visitado a Real Fábrica Veiga, apesar de viverem na Covilhã ou estudarem na UBI, e que a oficina serviu de pretexto para descobrir o espaço e a história têxtil da região.

A iniciativa, integrada no programa anual do museu, pretende precisamente isso: mostrar que o património não é apenas algo a contemplar, mas algo que se utiliza, se reinventa e se partilha. Ao sentar estudantes e moradores à mesma mesa de trabalho, o “Wool é Cool” transforma o museu numa espécie de sala de estar alargada, onde a lã funciona como idioma comum.
Entre os participantes, a presença de Dona Céu chama a atenção. As mãos seguras com que orienta a agulha revelam décadas de prática, e é a ela que muitos recorrem quando o ponto se entorta ou o fio se embaraça. Conta que começou a bordar ainda em criança, observando as mulheres da aldeia a prepararem enxovais e toalhas que marcavam momentos importantes da vida familiar, e que cada desenho carregava significados que nem sempre cabiam nas palavras.
Para Dona Céu, participar neste tipo de ofici
nas é uma forma de garantir que esses saberes não ficam presos a caixas de linho guardadas em sótãos. Diz que sente orgulho em ver pessoas mais novas interessadas em aprender e adaptar os motivos tradicionais a gostos contemporâneos, porque isso significa que o bordado não será apenas recordado como algo “de antigamente”. Ao mesmo tempo, confessa que aprende com os mais jovens, seja nas cores escolhidas, seja nas ideias para novos padrões que misturam referências urbanas com símbolos rurais.

À medida que a tarde avança, o grande tecido inicial começa a revelar pequenos fragmentos de quem passou por ali. JP e Andreia Félix comentam que, se alguém olhar para o pano daqui a uns anos, não verá apenas um exercício de bordado, mas o registo de um momento em que diferentes gerações se sentaram à mesma mesa para aprender umas com as outras.
No final, enquanto se arrumam linhas e bastidores, Dona Céu diz em tom meio sério, meio brincado, que “quem pega na agulha uma vez, volta sempre”. Talvez seja essa a força do “Wool é Cool”: mostrar que a tradição não está parada num expositor, mas viva nas mãos de quem a pratica, ponto a ponto, até que o museu deixe de ser apenas um lugar para visitar e passe a ser um lugar onde se pertence.
















