“Volta para a tua terra”: peça de teatro é convite para repensarmos os significados das nossas origens

“Volta para a tua terra” é uma peça de teatro idealizada e apresentada por Keli Freitas (Imagem: Reprodução Instagram/Elisa Pinto Freitas)
“Volta para a tua terra” é uma peça de teatro idealizada e apresentada por Keli Freitas (Imagem: Reprodução Instagram/Elisa Pinto Freitas)
Em meio a altas nas taxas de imigração, Keli Freitas, brasileira residente em Portugal, revisita os ideais de origens e cidadania em peça de teatro.

Cerca de 360 mil brasileiros vivem em Portugal, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores, sendo a principal comunidade estrangeira no país. Em “Volta Para a Tua Terra” – peça apresentada no último dia 17 de abril no Teatro Municipal da Covilhã (TMC), e participante do FESTIVAL Y#21 organizado pela Quarta Parede que acontece entre 20 de março e 14 de junho de 2025 e liga as cidades da Covilhã, Castelo Branco, Belmonte e Fundão –, Keli Freitas, brasileira residente no país europeu há 10 anos, vai em busca do rasto da sua bisavó portuguesa, ao mesmo tempo que refaz a sua própria trajetória, o que deixou para trás e o que encontrou nas terras lusitanas. Tudo isso, ao lado de Gigi, amiga que conheceu em Portugal e que também tem na sua genealogia uma história de migração.

Ao partilharem o palco, Keli e Gigi brincam com o passado e presente, discutindo sutilmente o futuro daqueles que têm no sangue a herança da migração. Isso em um contexto social que tem como plano de fundo um fluxo migratório para Portugal que disparou a partir de 2015, quando o total de estrangeiros passou de 383,7 mil para mais de 1 milhão em 2023 e, com isso, os imigrantes passaram a compor cerca de 10% da população do país. Assim, essa peça autobiográfica, da mesma forma que os processos migratórios, não nasceu ontem. “Começou na minha cabeça em 2018, quando eu encontrei a certidão de nascimento da minha bisavó”, explica Keli sobre a origem do projeto. A artista conta que a busca por suas raízes não tinha o objetivo de se tornar uma peça de teatro, mas “um interesse muito profundo.”

Keli e Gigi dividem o palco na peça de teatro “Volta para a tua terra” (Imagem: Reprodução Instagram/Elisa Pinto Freitas)
Keli e Gigi dividem o palco na peça de teatro “Volta para a tua terra” (Imagem: Reprodução Instagram/Elisa Pinto Freitas)

Como migrante, o objetivo da investigação era duplo: saber mais suas origens, e, quem sabe, ter algum reconhecimento do governo português como descendente. Mas, provando que a arte pode sim imitar a vida, Keli descobriu que uma cidadania portuguesa não seria herança deixada por sua bisavó. “O mais interessante para mim é que eu não tenho direito a nada, que ter uma bisavó é uma pessoa longe demais para ser verdade. Foi aí que eu peguei nisso e falei: não vou largar, vou ver o que acontece.” E assim começou a viagem da artista para de volta à sua terra, ou melhor, pela sua árvore genealógica.

Porém, é preciso se balançar nesse galho da genealogia que se mostra cada vez mais frágil. Apesar do aumento, a presença de brasileiros é vista como indesejada por uma fatia considerável da população portuguesa. Segundo uma pesquisa da Fundação Francisco Manuel dos Santos, 38% dos portugueses consideram que os brasileiros trazem desvantagens ao país e 51% afirmaram que a entrada desses imigrantes tem que diminuir. Na peça, Keli faz desse limão amargo para muitos que sonham em desbravar as terras portuguesas – o número de brasileiros barrados ao tentar embarcar para Portugal subiu 700% entre 2023 e 2024,  passando de 179 para 1.470 pessoas, conforme aponta o Relatório Anual de Segurança Interna – em uma limonada repleta de bom-humor.

Mesmo com um título que remete a um discurso discriminatório, “se volta para tua terra é um insulto usado contra mim, eu vou usar ele como um convite. Eu vou voltar para minha terra, eu vou olhar para trás e, eu vou me perguntar onde é a minha terra”, analisa a artista-imigrante. Se tratando de terras ou não, a peça destaca uma dúvida elementar para a humanidade centrada na busca de cada um por saber quem é. Para tentar responder essa pergunta, as artistas dão uma dica: revisitar as origens, incluindo as mais distantes, pode ser um sinal de que não estamos tão longe de casa, como muitas vezes parece.

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