Música alternativa portuguesa renasce no coração da Mêda

No mapa de festivais de verão em Portugal, um ponto singular brilha com  identidade vincada: o Mêda+. Nascido da visão de jovens medenses com a ambição de oferecer algo distinto na região, o festival celebra em 2025 a 11ª edição, marcando um regresso revigorado ao coração da cidade da Mêda, nos dias 24, 25 e 26 de julho. André Rebelo Pereira, diretor criativo  do projeto desde a sua génese, desvenda os bastidores, a evolução e a alma deste evento que pulsa “por amor à camisola”.

Corria o ano de 2010 quando a semente do Mêda+ foi plantada. “Havia uma vontade de um grupo de jovens com interesses comuns e uma oportunidade de fazer um evento diferenciado dos restantes que eram feitos na região, alternativo às festas populares e que atraísse mais jovens à Mêda, proporcionando um fim de semana diferente”, recorda André Rebelo Pereira. Naquela época, o panorama dos festivais de pequena dimensão era menos saturado, e a crença de que estavam a criar algo único impulsionou os primeiros passos.

Ao longo de 11 edições, o Mêda+ metamorfoseou-se a vários níveis: no número de bandas, palcos e atividades, nos estilos musicais abraçados, na sua localização e nos formatos explorados. Os primeiros anos, marcados pela inexperiência e amadorismo, foram cruciais. “Caso não houvesse confiança no projeto e avaliação do potencial do Mêda+ por parte da Junta de Freguesia e da Câmara, com um apoio sólido, nunca teria sido dado o passo seguinte: reconhecer as fragilidades, aprender com os erros e ter ambição de fazer mais e melhor”, confessa o diretor criativo, sublinhando a importância vital do apoio institucional inicial.

Um ponto de viragem ocorreu na terceira edição, com a mudança do recinto para uma área maior, concentrando as atividades num único palco, no terreno da Santa Cruz, um espaço que acolheu várias edições. A eliminação da música popular no encerramento e da música tradicional no centro da cidade, em favor de um cartaz exclusivamente dedicado às várias vertentes do Rock, marcou o verdadeiro nascimento do Mêda+ como o conhecemos hoje. “Esse foi o grande início do Meda+ que teve um crescimento  de público acima das expectativas, elevando a marca para além da região”, explica André.

Os anos subsequentes trouxeram a adição de atividades desportivas com DJ na piscina, mas o formato central manteve-se. Em 2015, com o festival a ganhar maturidade num cenário nacional já saturado de eventos, surgiu a necessidade de inovar nas tardes, apresentando um palco alternativo no parque da cidade, que se mantém até hoje. “Esse é também um grande marco na história do festival. Percebemos que, com as infraestruturas na Mêda, não poderíamos ambicionar crescer muito mais, pois apenas com bandas, produção e equipas técnicas tínhamos a capacidade hoteleira preenchida”, revela  o líder da organização.

Após algumas alterações na organização, o formato resistiu até ao ano de 2019, quando o festival foi cancelado a apenas três meses da data prevista. “Esse foi um tempo de reflexão. Independentemente da data do seu regresso ou não, serviu para perceber que o formato do festival teria que ser criteriosamente repensado”, partilha o diretor criativo.

A ressurreição aconteceu em 2024, após tentativas falhadas. Com a união de esforços para um regresso renovado,  levou-se o festival para o centro da cidade e  adicionou-se um palco dedicado à música tradicional, resgatando uma faceta da primeira edição e promovendo um maior envolvimento com a comunidade. “Reutilizar as receitas do passado era condenar o futuro logo à partida. Decidimos, mais uma vez, arriscar e incrementar mudanças que percebemos agora terem resultado”, afirma André, com um visível entusiasmo pelo sucesso.

Filipe Karlsson – 10º edição do Mêda+ (2024)

Feito por Medenses, por Amor à Camisola

Questionado sobre o que distingue o Mêda+ no competitivo panorama dos festivais de verão, André Rebelo Pereira não hesita: “A identidade do festival é ser na Mêda e feito por medenses única e exclusivamente por amor à camisola”

O estilo musical, embora partilhe semelhanças com outros eventos de qualidade, é um dos pilares da identidade do Mêda+. No entanto, André sublinha que a singularidade reside na “conjugação de fatores como as infraestruturas disponíveis na Mêda, a ruralidade do interior do país, em articulação com a escolha criteriosa de artistas emergentes”. A estes elementos, junta-se a “vontade de fazer cada vez melhor, a hospitalidade que tão bem caracteriza os medenses e a entrada gratuita”, que se erguem como a principal bandeira do festival.

Recinto – 10º edição do Mêda+ (2024)

Consagração e Descoberta

Segundo André Pereira,  a curadoria artística do Mêda+ é um processo contínuo de equilíbrio entre dar palco a artistas já consagrados no panorama alternativo e escutar com atenção as novas propostas que emergem. “A música portuguesa está numa ótima fase, o que facilita muito o nosso trabalho”, reconhece o dirigente.

Apesar de algumas limitações orçamentais impedirem a inclusão de certos artistas, a receita para a seleção passa pelo “respeito e transparência com os artistas acima de tudo”. A espinha dorsal musical do festival, definida nas primeiras edições com experimentalismos, mantém-se como fio condutor, honrando o passado, mas com um olhar atento ao presente. “O rock, que é o estilo mais presente, deriva em várias vertentes, e esses slots vão sendo preenchidos com um jogo de cintura entre as nossas vontades, a disponibilidade financeira e a vontade dos próprios artistas em vir tocar à Mêda”, explica o diretor criativo. A música tradicional, resgatada no ano passado, assume também um papel fundamental na identidade sonora do evento.

GANSO – 10º edição do Mêda+ (2024)

Nos bastidores da 11ª edição

A poucos meses da 11ª edição, a organização do Mêda+ encontra-se numa fase crucial. “Nesta fase, com o cartaz fechado, estamos dedicados à parte da divulgação do evento, sendo que as montagens começam apenas na semana que antecede o festival”, revela André.

A escolha do cartaz deste ano, que inclui nomes como Capicua, Bombazine e Emmy Curl, resulta de um processo que muitas vezes se inicia logo após o término da edição anterior. No caso de Capicua e Emmy Curl, tratou-se de um namoro antigo que finalmente se concretizou, como explica o diretor: “Com a Capicua tínhamos um namoro antigo que por vários motivos nunca se concretizou. Em 2025, com a notícia de um álbum novo, não poderíamos perder a oportunidade. Com a Emmy Curl a história é semelhante, pois em 2024 não foi possível, e considerámos que não deveria ficar de fora do nosso alinhamento”.

Cartaz da 11º edição do Mêda+ (2025)

Os Bombazine ocupam um espaço de grande responsabilidade no cartaz, preenchido ao longo dos anos por artistas com uma energia contagiante. “Quando sabemos bem o que queremos, esta tarefa é muito fácil pelo número de propostas que nos vão chegando. Infelizmente há muita qualidade que acaba também por ficar de fora do cartaz, mas é impossível incluir tudo o que gostaríamos”, confessa o diretor criativo, sublinhando que este trabalho começa assim que as luzes da edição anterior se apagam.

Metamorfose Contínua

Ao longo dos anos, o Mêda+ tem sido palco de metamorfoses constantes, e a 11ª edição não será exceção. Mantendo o formato renovado do ano anterior, o festival volta a incluir workshops de cerâmica, olaria com roda de oleiro, aguarela e fotografia, reforçando a exploração de outras formas de expressão artística. O vinho, elemento identitário da região, volta a ser um elemento ativo do cartaz, com provas comentadas pelos produtores locais durante os três dias do evento. A inclusão do vinho e de outros produtos endógenos não só enriquece o evento, como também promove os produtos locais junto de um público diversificado.

Envolvimento Comunitário: O Coração Pulsante do Festival

A ligação com a comunidade local da Mêda e da Beira Interior é umbilical para o Mêda+, essencial para manter a identidade que o caracteriza. “Esse envolvimento hoje já acontece de forma simbiótica”, afirma André, destacando exemplos concretos como a participação da Academia Sénior e da Orquestra de Formação Musical no concerto de Bia Maria. André sublinha ainda a importância fundamental do envolvimento da comunidade nos bastidores do festival.

Com entrada e campismo gratuitos, e acesso às piscinas municipais a um preço reduzido, o Mêda+ apresenta-se como um evento de baixo custo, com opções de refeição acessíveis tanto no recinto como nos restaurantes locais. “Uma experiência de verão recheada de boas surpresas no panorama alternativo da música Portuguesa que pode ser de  três a  quatro dias se quiserem vir ao Warm-up do dia 23, penso que são motivos suficientes para reservar as datas”, convida André, apelando à descoberta das bandas do cartaz para quem ainda não as conhece.

Impacto Regional e Perspectivas Futuras: Cultivar a Música Portuguesa

André reconhece a qualidade de outros eventos na Beira Interior. No entanto, sublinha que o Mêda+ continua a proporcionar uma oferta cultural diferenciadora, atraindo público de todo o país e oferecendo à população local uma experiência de festival de verão sem necessidade de deslocação. O festival também desempenha um papel de estímulo à formação de novos projetos musicais na região. Do ponto de vista económico, o Mêda+ assume um papel crucial na hotelaria e restauração locais, esgotando a capacidade hoteleira do concelho e impulsionando o comércio local de forma significativa.

Os objetivos a longo prazo para o Mêda+ passam pelo trabalho contínuo de dar palco à nova música portuguesa. “Somos realistas e não temos expectativas de crescer sem outro tipo de apoios. É por esse caminho que objetivamos o futuro do Meda+, com sponsor do naming dos palcos ou até mesmo do festival, mantendo o fio condutor de tudo o que foi feito até aqui”, explica André. A exploração de outras formas de expressão artística, já visível nesta edição com os workshops e a parceria com uma galeria de arte, deverá continuar a enriquecer o evento no futuro.

A Paixão que Move o Mêda+

Questionado sobre a sua motivação pessoal para liderar a direção criativa ano após ano, André Rebelo Pereira revela: “Uma das maiores motivações é ver o crescimento e os resultados das várias mudanças que foram feitas ao longo dos anos. Durante alguns concertos gosto de me afastar e contemplar a paisagem de sorrisos que se esboçam quando toca aquele riff ou aquela música”.

Parque da Cidade- 10º edição do Mêda+ (2024)

Mesmo com os desafios, a programação do evento é libertadora para André, um enfermeiro, cuja área de formação e atividade profissional diverge.

O Convite à Descoberta na Mêda

Para terminar, André Rebelo Pereira deixa uma mensagem ao público e aos potenciais festivaleiros: “Neste momento, a Mêda está novamente pronta e de braços abertos para receber o melhor público de sempre durante três dias que prometem ser memoráveis num Festival que mantém a entrada e campismo gratuitos, com acesso às piscinas municipais a um preço reduzido. Caso não conheçam as bandas do nosso cartaz, venham à Mêda e deixem-se surpreender. Vai à Mêda!”

Parque de Campismo – 10º edição do Mêda+ (2024)

Com a promessa de música vibrante, atividades enriquecedoras e a calorosa hospitalidade medense, o Mêda+ prepara-se para mais uma edição, reafirmando a sua identidade única no panorama dos festivais portugueses e pulsando com a energia contagiante de quem faz acontecer “por amor à camisola”.

 

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