“Há cautela na comunicação para manter os eleitores com o governo”

Com um fascínio pela política desde os 14 anos, Mariana Falcão transformou a sua paixão numa carreira. Tirou uma Pós-Graduação em Comunicação e Marketing Politico, e mestrado em Marketing. Hoje, à frente de sua própria agência de assessoria política, diz que há cautela na forma de comunicar do governo e que a emoção deve conduzir uma mensagem.

 

Com um fascínio pela política desde os 14 anos, Mariana Falcão transformou a sua paixão numa carreira. Tirou uma Pós-Graduação em Comunicação e Marketing Politico, e neste momento frequenta mestrado em Marketing. Hoje, à frente de sua própria agência de assessoria política, diz que há cautela na forma de comunicar do governo e que a emoção deve conduzir uma mensagem.

Como é que recorda o primeiro contacto com a área política?
Mariana Falcão: O primeiro contacto com a área política eu diria que foi em 2010, quando eu tinha 14 anos. Isto porquê? Porque eu quando entrei no meu 5º ano, eu via o telejornal à noite com os meus pais e aquelas informações, embora eu não as conseguisse absorver, naturalmente, porque eu não tinha conhecimento para isso, chamavam a minha atenção. E eu comecei a questionar muito o meu pai sobre tudo o que se dizia nas notícias, porque eu a ouvia, mas não conseguia perceber. E à medida que o meu pai me ia explicando e que eu ia percebendo dentro também da minha realidade as notícias que passavam, principalmente no telejornal, eu fui percebendo que tinha um gosto pela política e queria fazer política. E com 12 anos, o meu sonho primordial era ser deputada à Assembleia da República pelo Distrito da Guarda. Comecei a familiarizar-me cada vez mais com a política, a perceber que partidos existiam, que ideologias defendiam, etc, e percebi que eu pessoalmente me encaixava mais na ideologia da direita. E com isso, aos 14 anos, eu decidi então filiar-me na JSD para poder fazer parte e começar a trabalhar mais ativamente no mundo da política, até porque eu acreditava que para poder atingir o meu objetivo era preciso aqui alguma consistência, algum trabalho, e não chegar dali a 10, 20 anos e dizer “estou aqui, quero ser deputada”.

Os políticos sabem comunicar melhor hoje?
MF: Eu diria que comunicam de forma diferente. Porque acho que já se começou a perceber cada vez mais que temos um novo espaço para comunicar, que são as redes sociais, são as plataformas digitais e, portanto, eles já começaram a perceber, os políticos e até mesmo os partidos políticos, que há ali um novo espaço para ocupar. Por isso, eu diria que eles comunicam de forma diferente. Acho ainda que há um longo caminho a percorrer do ponto de vista da comunicação política e acho que os políticos e os partidos deveriam perceber que é mesmo aqui necessária uma mudança de paradigma e dar mais importância à parte da comunicação e da assessoria política, olhando mais pela perspectiva da profissionalização e da formação académica

O que é mais importante? Manter emoção no discurso ou informação?
MF:  Do ponto de vista da assessoria política, eu diria que é a emoção. Isto leva-me perguntar porquê. Desde um trabalho que eu fiz na minha pós-graduação, tive que fazer um trabalho sobre a emoção, a maneira como a emoção era importante e impactante do ponto de vista da política, até mesmo do jornalismo, da comunicação, da assessoria. E logo nesse trabalho eu percebi que o elemento da emoção é fundamental. Por isso, como assessora, eu aconselho sempre a colocarmos no discurso político, apostarmos mais nessa parte. Porque é a forma que nós vamos conseguir captar mais facilmente as pessoas, tê-las do nosso lado, partilhar do nosso ponto de vista e praticamente com certeza a votar no nosso projeto, no nosso candidato. Primeiro, o mais importante é informar quem ouve, naturalmente que é, mas do ponto de vista da assessoria, a parte da emoção é fundamental.

Qual é que é o político português que comunica melhor?
MF:  Eu gosto muito da forma como comunica a Iniciativa Liberal. Porque eles foram o primeiro partido que apresentou uma comunicação absolutamente disruptiva, ou seja, nós temos uma visão, ou pelo menos eu própria tenho essa visão da maior parte da comunicação política de uma forma muito cinzenta, muito monótona, pouco criativa e chamativa, e percebi, na minha opinião, a Iniciativa Liberal fala de uma maneira original, mais disruptiva, usando um humor, mas um humor refinado. Todavia, acho que é importante deixar aqui uma nota daquilo que eu observei em relação ao Partido Chega, que são pessoas que também já perceberam que as redes sociais têm aqui um papel muito importante. No outro dia vi um vídeo onde participava André Ventura, Rita Matias e outros deputados, em que estavam todos a dançar numa coreografia orientada, ou seja, nenhum de nós está à espera de ver. Importa com isto perceber qual é que é o impacto e que maneira é que isto pode conduzir a votos e ao mais uma vez à captação do público.

Como é que avalia a comunicação deste governo?
MF: Em geral, eu diria que a comunicação deste governo é contida, no sentido em que salta cá algum cuidado na informação que é passada cá para fora, para evitar algum tipo de polémica, algum tipo de deslize. Também percebo que tentam comunicar também já de uma forma um bocadinho mais disruptiva, mas ainda não dá para ter aquele impacto do meu ponto de vista.
Têm sido contidos e cautelosos, eu acredito também muito por conta de todo o panorama político que estamos a viver, muito instabilidade do governo, por conta das eleições que nós tivemos ultimamente, e também do Partido Social-Democrata ter voltado, embora com uma coligação recentemente, ao poder, acho que ali há alguma cautela para tentar captar um bocadinho e manter os eleitores com o governo.

Como é que a comunicação pode moldar a política e a democracia?
MF: Por exemplo, o fenómeno do Chega, que tem uma expansão tão grande de eleição para eleição e um impacto que é inegável, resulta também da forma como conseguirem moldar as situações e os resultados que eles pretendem. É muito importante perceber qual é o público que nós temos à nossa frente. De que maneira é que esse mesmo público pensa? Qual é que é a opinião deles e qual é que é o sentimento deles? E depois de fazer essa análise é perceber se os nossos eleitores têm esta opinião, se se sentem desta forma. O nosso discurso, em tudo, tem que ir ao encontro da maneira como eles vêm e percepcionam a realidade. Só assim é que nós vamos conseguir tê-los da nossa parte e que eles possam ser, ou que eles possam sentir que nós também somos um deles. Eu acredito que o discurso, a maneira como se fala, porque às vezes a mesma frase fica de forma diferente, um tom diferente, uma pessoa diferente, tem um impacto completamente diferente. E acho que este cuidado em ler, em escutar as pessoas e através de aí perceber com que tom, com que emoção, com que palavras é que podemos moldar a política e pode também moldar a democracia.

Quais é que são as melhores técnicas de comunicação que um político utilizar para chegar ao sucesso?
MF: A primeira de todas é o político juntar-se ao assessore. Não precisamos de ter uma equipa gigante de assessoria, mas pelo menos um assessor. Ser muito claro e identificar qual é que é o perfil dele. Por exemplo, se estamos a falar de uma pessoa que genuinamente é uma pessoa aguerrida, tentar colar um discurso muito pacificador, com uma atitude muito calma, a pessoa vai estar em esforço, porque vai estar numa atuação e como não é verdade, não passa. O importante é que, quando essa tarefa é feita, seja num discurso, seja numa performance em público, numa publicação na rede social, é perceber que tem a identidade da pessoa e as características da pessoa.
E, portanto, a primeira coisa que eu diria é perceber que atrás do político existe uma pessoa e, a partir daí, alinhar toda a atuação em função disso. Mas eu acho que há aqui mesmo uma necessidade muito grande, que às vezes fica esquecida, que é colocar a essência da pessoa no centro.

Neste momento, é cada vez mais difícil comunicar com outras pessoas, especialmente por questões ou ideias contrárias? Qual é o motivo?
MF: Sim, eu acho que é cada vez mais difícil as pessoas comunicarem quando têm ideias diferentes. E basta abrimos um Facebook, um Instagram, um X para perceber exatamente isso. Eu acho que infelizmente estamos a perder um bocadinho a noção da razoabilidade. Porque de um momento para o outro, se não pensas como eu, então estás contra mim. E não há aqui espaço para perceber que todas as opiniões são legítimas. Por muito que sejam contrárias à minha, elas têm de ser aceites e têm que ser debatidas. E acontece que eu acho que surgem muito para aí pessoas que tentam ser os donos da verdade e a apregoar uma política, uma posição, um ideal, que aquele é que é o bom e quem tem um contrário àquele é mau. É mau e é tudo mau e não é aceitável. Isto é grave porquê? Porque isto faz com que as pessoas não queiram debater ou não queiram trocar ideias umas com as outras. E o que é que é a democracia sem debate? O que é que é a democracia sem confronto de ideias? E isso para mim é que também se está a tornar grave nesse sentido.

E acha que há limite dentro desse debate, para expressar?
MF: Eu acho que existe limite e, infelizmente, às vezes os nossos governantes, especialmente quando olhamos para a Assembleia da República, muitas vezes não dão um bom exemplo para todos aqueles que os ouvem. É muito importante que todos nós tenhamos a capacidade de perceber que é importante balizar e perceber que eu até posso ser uma pessoa com uma personalidade mais aguerrida, imprimir essa minha personalidade na forma como atuo politicamente, mas tenho que perceber que há um limite nas coisas que eu digo, na maneira como eu digo, como me dirijo a outras pessoas, etc, etc. Infelizmente, acho que isso está a perder um bocado e basta ligarmos a televisão, olharmos para muitas situações na Assembleia da República e perceber que muitas vezes há essa falha de respeito. Se estão na Assembleia da República é porque foram eleitos democraticamente, têm legitimamente o seu lugar, embora estejamos de acordo ou não estejamos, a partir daí resta o debate de ideias, mas sempre com o respeito atrás, aliás, como elemento principal e perceber que sem esse elemento que é o respeito, da maneira como nos dirigimos aos outros e às vezes como falamos, as palavras que utilizamos, se não tivermos essa noção sinceramente acho que já está tudo perdido.

Neste momento existe nas redes sociais muita desinformação. Como é, no papel de assessora, combate a desinformação nas redes sociais?
MF: Por acaso houve um exemplo que eu pessoalmente gostei muito de ver, que foi aqui na minha terra, em Manteigas, em que quando o atual Presidente da Câmara entrou em funções surgiu uma história qualquer que o Presidente estaria ou não estaria a tempo inteiro. E eu lembro-me que esta informação naturalmente terá chegado aos ouvidos do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Manteigas, que teve para mim a atitude extremamente correta: gravou um vídeo em que primeiramente explicou o que é que a lei, mas de uma forma extremamente simples, ou seja, que qualquer pessoa consegue perceber o que é que a lei previa. E desfez completamente qualquer mal-entendido, qualquer informação que estava a ser mal passada, primeiramente com uma atitude bastante educativa e proativa. Eu acho que essa foi a forma correta. Se temos ali um momento de crise, o primeiro passo nunca é o de avançar automaticamente para um comunicado. Em algumas situações pode ser, mas o primeiro até será perceber o que é que se pode fazer diferente em relação àquela situação. Eu acho que também não podemos estar constantemente a correr atrás das fake news e estar a tentar a todos os momentos desmentir. Temos é de perceber, primeiro, sobre quais é que faz sentido ou não debruçarmo-nos e depois de que forma é que o vamos fazer. Talvez, em algumas, avançar para um comunicado à primeira seja o suficiente.

 

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