“Confundir desenvolvimento do interior com crescimento económico é um disparate”

António José Seguro já foi um dos rostos predominantes do PS, hoje fala-se da possibilidade de voltar à vida política como candidato à Presidência da República. É um homem da Beira Baixa que, como diz, “sempre preferiu caminhos a muros”. Das vias de comunicação à fixação de talentos no interior, como olha o ex-secretário geral do PS para a regionalização?

Em 2011, assumiu o compromisso com a regionalização, mas disse que não era para já.  Desde então, o quadro político e económico mudou muitas vezes.  Porque é que a regionalização nunca se torna uma prioridade

O desenvolvimento do território é a questão crucial. Nós temos um litoral mais competitivo e mais coeso do que o interior, embora o interior tenha mais qualidade ambiental.  E, portanto, há aqui oportunidades para um novo perfil de desenvolvimento, de crescimento, que não seja apenas o crescimento económico.  E eu considero que as regiões são indispensáveis porque elas permitem que o investimento seja feito por gente que conhece e vive a região. E, portanto, sente melhor as prioridades.

As regiões não servirão para criar clientelas políticas nem mais cargos.  Aliás, com os mesmos recursos que neste momento existem nas CCDRs [comissões de coordenação regional], nas CIMs [comunidades intermunicipais], consegue-se fazer o mesmo.  Mas dando uma dimensão completamente diferente ao propósito de desenvolver o território.  A minha preocupação é que haja regiões para desenvolver território e não regiões para criar cargos políticos.

 

Tivemos na UBI o candidato à Presidência da República Luís Marques Mendes, que disse querer fazer pressão sobre o Governo e o Parlamento para a regionalização, porque são necessários incentivos ao interior. Acha que é fazível, este objetivo? 

O que tem acontecido é isso, nestes 50 anos. É um poder local a reivindicar mais investimento. Ou há um poder [central] que é sensível ao interior, como aconteceu com os governos de António Guterres, de que eu fiz parte, onde houve uma escola de medicina na Covilhã, houve gás natural no interior,  houve autoestradas… ou há essa sensibilidade, ou então o interior perde.

Ora, não podemos ficar à espera de que haja pessoas com essa sensibilidade.  Temos de organizar um país de forma administrativa que permita às pessoas que vivem na região tomarem o futuro nas suas próprias mãos. E isso é possível, não gastando mais dinheiro, até poupando, e fazendo melhores investimentos.

 

Em 2020, defendia uma regionalização como um meio e não como um fim. O que é que isso significa?

É precisamente um meio para desenvolver o território e para as pessoas viverem melhor. A regionalização tem de ser um meio para promover a qualidade de vida e o desenvolvimento. Há uma tese na economia que diz que todos os territórios contribuem para a riqueza nacional.  A minha pergunta é esta: o território do interior, da Beira Interior, pode produzir mais, pode dar mais para a riqueza nacional?  A minha resposta é clara: pode.

O que é que é preciso? Ser um território atrativo para captar novas empresas, novos negócios, novos talentos, sobretudo das gerações mais novas.  Isso faz-se com investimento público. Dou um exemplo:  o Alqueva. É investimento público no Alentejo e levou água para que fosse possível fazer investimentos privados na área agrícola. Hoje o país, graças a isso, é excelente na produção de azeite.

Portanto, a regionalização não é um fim em si mesmo. As regiões têm de servir como alavanca para o desenvolvimento. Se não servirem para isso, então é melhor não fazer nada.

 

Dizia, numa conversa com o ex-jornalista da TSF, Fernando Alves, que muita gente olha para a Espanha como uma fronteira e que nós precisamos de novas centralidades, sobretudo aqui no interior.  Quais são as dificuldades de as criar?

Há duas maneiras de olhar para o território. Uma é olhar para a maneira como está organizado administrativamente: o concelho da Covilhã, o da Guarda… A outra é olhar para o território como áreas funcionais. Se olharmos em termos funcionais, temos de perceber o que é que há do lado de lá [da fronteira] que possa enriquecer o lado de cá e vice-versa. E criar sinergias. Eu sempre preferi os caminhos aos muros. As fronteiras são muros.  Os caminhos são estradas que alargam para criar horizonte.

É desse ponto de vista que é importante criar novas centralidades.  Porque as pessoas gostam de viver em centros urbanos. Agora, nós podemos ter centros urbanos de média dimensão, onde coexista competitividade, coesão, bons salários e qualidade de vida. Nem todas as terras têm de ter uma universidade, um hospital. Agora, têm é que, num espaço relativamente curto, poder aceder a esses bens. Isso reafirma a necessidade dos territórios funcionais e de se olhar para  Espanha também como  oportunidade para os negócios que se fazem a partir de Portugal.

 

Também defendia a via rápida IC31 para Madrid e uma redução drástica de impostos.  Acha que essas medidas poderiam permitir uma nova vida para o interior?  Qual seria a medida-chave para revitalizar o interior de Portugal? 

Não há uma medida mágica.  Dizer, nós vamos fazer o IC31 e resolvemos os nossos problemas. Não, até porque as estradas levam e trazem. Não trazem só.  Mas, havendo essa ligação mais rápida entre Madrid e Lisboa, o meio fica aqui na Beira Interior.  E, portanto, nós podemos ter capacidade atrativa para que as pessoas, em vez de fazerem uma viagem seguida, possam fazer uma viagem partida, se houver coisas para ver.  Temos tantas coisas para ver aqui na nossa região, tanta diversidade, tanta gastronomia, e tanta qualidade e oferta de alojamento. Portanto, esse é um fator.

O segundo é atrair jovens, talentos, porque estão no meio, entre duas grandes capitais, Lisboa e Madrid. Portanto, nós temos aqui na Beira Interior uma centralidade, devíamos aproveitá-la. E a distância para o Porto também é a mesma. Portanto, o nosso raio funcional pode ser muito importante, em termos de criação dessa atratividade e de qualidade de vida. Simultaneamente, quando as pessoas querem ir, porque não encontram aqui o que existe nessas grandes cidades, também possam ir num espaço de duas horas.

 

Aqui, no interior, as universidades foram pensadas de maneira que pudessem prender, por cá, jovens talentos. Mas isso nem sempre acontece. Os financiamentos às universidades do interior podem estar na origem do problema?

A fixação de talentos, pode ser dos que são formados aqui na universidade, pode ser de outros talentos que sejam formados noutras universidades.  Seria completamente ridículo que toda a gente que terminasse o curso na UBI tivesse de ficar aqui na região. Ganhem mundo, ganhem mobilidade, venham, saiam, voltem, isso é muito importante.

Quando falo em criar no interior oportunidades para os mais jovens, é porque são os mais jovens que podem inovar, criar, fazer mudanças, ter filhos, e nós precisamos no interior de ter gerações mais novas, que podem dar vida.

O que eu sempre defendi é que as universidades deviam ter orçamentos plurianuais. Em vez de andarem todos os anos a discutir quanto é que recebem, deviam ter uma previsão durante quatro ou cinco anos, porque nenhuma organização planeia a sua dinâmica e o seu futuro se andar todos os anos a pedir mais dinheiro.

 

É um homem da Beira Baixa, que diz que em Penamacor “somos nós que passamos pelo tempo”. O interior continuaria a ser o interior se todas as propostas fossem aprovadas? 

Sim, depende das propostas. Em Portugal há muito o erro grave de confundir políticas com medidas. A política é a estratégia, a visão, o que quero para o interior. As medidas têm de ser coerentes com essa estratégia. Portanto, sim, é possível continuar a ser interior se nós soubermos conciliar competitividade com qualidade ambiental, porque se nós confundirmos desenvolvimento com crescimento económico é um disparate. Não temos de copiar o que os outros fizeram, temos de ver o que é que os outros fizeram de melhor e ser capazes de acrescentar algo mais a isso.

Pode ler também