Interpretar para aprender: A Importância da Literacia Mediática no Combate à Desinformação

Entre o mundo online e offline, muitas coisas perdem-se e transformam-se. Com o crescente do digital e do mundo conectado, haverá sempre informação a ser espalhada, verdadeira ou falsa, que nos faz questionar as opiniões de quem connosco partilha o espaço mediático, obrigando qualquer um a aceder a uma ferramenta necessária- a literacia mediática

As primeiras poesias foram cantigas de escárnio e maldizer, e a disseminação de histórias pelas bocas da sociedade- sejam positivas ou negativas- sempre foram um poderoso meio de transmissão da informação. Como instrumento de aprendizagem, o conceito de literacia mediática vem inserir-se na sociedade do mundo digital, tornando-se central.

A literacia mediática, definida como a capacidade de analisar, avaliar e criar conteúdo em diversas formas de mídia, é cada vez mais reconhecida como uma competência necessária no mundo de hoje. Com o fluxo constante de informação que recebemos diariamente de diversas plataformas, a distinção entre o que é verdadeiro e o que não é tornou-se um desafio coletivo ainda mais presente.

Através de jornais ou navegação pela internet, este desafio percorre meios e gerações diferentes, refletindo as mudanças culturais e tecnológicas que foram acompanhando a evolução do ser humano. Aline Grupillo, jornalista e doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade da Beira Interior (UBI), partilha uma visão alargada em relação ao consumo dos diversos media: “Consumo frequentemente jornais online como o Público (em Portugal) e a Folha de São Paulo (no Brasil),” afirma Aline. “Em termos de meios tradicionais, tenho o costume de assistir a um noticiário português todas as manhãs, e gosto muito da SIC e da RTP.”

EuroNews Portugal - Plataforma YouTube

Por outro lado, as gerações mais jovens preferem fontes estritamente digitais. Tiago Marques, estudante de informática destaca que todos estão conectados, e que a informação chega rapidamente às pessoas devido aos algoritmos inerentes às redes sociais, apontando a problemática de como este é feito, em que não há distinção clara entre notícias verdadeiras e falsas, existindo um maior volume de desinformação.

Os algoritmos priorizam conteúdo que reforça crenças preexistentes do indivíduo, criadas em echo chambers (câmeras de eco), onde cada pessoa é exposta apenas a informações que confirmam os seus pontos de vista, exacerbando convicções pessoais. A crescente desconfiança nas fontes tradicionais de notícias pode ser outro fator que convida os indivíduos a procurar informações em fontes não verificadas, e por conseguinte menos confiáveis.

Neste contexto, a literacia mediática vem permitir que os indivíduos se tornem consumidores de informação mais críticos e conscientes, fazendo destacar o quanto é crucial que as pessoas saibam distinguir entre fontes confiáveis e não confiáveis, de modo a evitar a propagação de fake news e teorias da conspiração. Com isto, Aline Grupillo deixa claro a importância de recorrer a fontes oficiais e bem estabelecidas: “Uma fonte de informação é credível quando é oficial e passa informações assertivas que condizem com a realidade dos acontecimentos.” A professora sugere sempre a verificação da reputação de uma fonte encontrada na internet, como uma medida adicional para garantir a veracidade dos dados. Aline destaca também a importância da pluralidade de opiniões, para um maior enriquecimento e expansão da literacia mediática que cada um deve procurar cultivar: “Procuro opiniões diferentes sempre que posso, em nome da pluralidade e diversificação de opiniões, que é sempre bom para o processo democrático e para a vida em sociedade.”

Tiago Marques, por sua vez, confia no senso comum como auxiliar da literacia mediática, no combate à desinformação. “Há certas notícias que são obviamente fake news,” comenta “Basta uma pesquisa no Google em fontes certificadas para esclarecer a situação.” Critica também alguns canais de televisão uma das principais plataformas de informação, fazendo uma distinção entre os que passam maior credibilidade: “Na televisão, canais como a SIC são fidedignos, ao contrário do Correio da Manhã, que costuma ser exagerado e omite muita informação importante.”

As redes sociais desempenham um papel significativo na forma como a informação é acedida e compartilhada. Fernando Brandão, maquinista de 62 anos, observa: “As redes sociais, como não têm filtro, são o local ideal para pós-verdades e fake news.” Joaquim Ribeiro, professor de informática, concorda e  reforça a importância de verificar a informação através de diversas fontes: “Na internet, a informação é muitas vezes tendenciosa e não fidedigna; apenas quem tem interesse em partilhar informações falsas o faz nas redes sociais, pois não há filtro nem avaliação, corremos o risco de não ter proteção nesse ambiente” O professor acrescenta que não toma decisões baseadas apenas no que vê na internet, mas sim em um conjunto diversificado de informações, relativizando o que é dito.

Perante estes desafios, a literacia mediática não é apenas uma competência desejável, mas uma necessidade fundamental na sociedade atual. O seu domínio promove uma cidadania mais informada, crítica e ativa, e pode ser uma ferramenta poderosa no combate a discursos de ódio e polarização política, ao promover habilidades críticas, éticas e responsáveis no consumo e na produção de mídia num mundo cada vez mais digital e interconectado. Sobre o tópico de confronto com verdades, Aline compartilha uma experiência pessoal onde perdeu um amigo devido a uma desinformação que circulava: “Mandei para ele um desmentido de uma agência de fact-checking, mas ele não gostou e acho que perdi um amigo.”

Ensinar a analisar criticamente o conteúdo consumido, possível manipulação e intenções negativas por trás de mensagens ajuda a reconhecer e questionar narrativas polarizadoras e possíveis discursos de ódio. A empatia e o respeito nas interações online devem ser cultivados com este objetivo, destacando sempre que possível as consequências deste discurso em particular e a necessidade de um diálogo construtivo para o combater.

É necessário incentivar a exposição a uma variedade de fontes e pontos de vista, promovendo uma compreensão mais equilibrada e menos polarizada dos assuntos. Estas opções facilitam debates e proporcionam discussões saudáveis, em que diferentes opiniões podem ser expressas e respeitadas no espaço mediático. Desenvolver a literacia mediática é um processo contínuo e dinâmico, que requer a colaboração entre educadores, pais e os próprios indivíduos.

Os entrevistados defendem que a literacia mediática deveria ser ensinada nas escolas, com o objetivo de ser incutida em cada um desde pequenos. “A literacia mediática capacita as pessoas a entenderem as mensagens políticas e os contextos que enquadram as notícias, possibilitando uma participação mais significativa nos debates públicos”, afirma Aline Grupillo. Tiago concorda, destacando a necessidade de ensinar tanto crianças quanto pais: “Hoje, as crianças estão conectadas muito cedo a todas as redes sociais, e por isso deve-se ensinar literacia mediática para as proteger.”

Diversas iniciativas estão a ser implementadas para promover a aprendizagem da literacia mediática. Em Portugal, programas como “Media Smart” ensinam crianças e adolescentes a serem consumidores críticos de mídia, ajudando-os a distinguir entre publicidade e conteúdo editorial. A nível internacional, organizações como a UNESCO têm promovido a inclusão da literacia mediática nos currículos escolares, reconhecendo a sua importância para a cidadania global.

Após um inquérito realizado online acerca da importância da literacia no meio mediático, as opiniões diferem. Entre as respostas, anónimas, destacam-se:

“Ensinar a literacia mediática é fundamental, uma vez que vivemos em um mundo em que a mídia digital é um dos pontos centrais da comunicação e, principalmente, na disseminação da informação. Para além de esta habilidade influenciar e estimular o pensamento crítico.”

“Acho que devia haver mais informação, uma vez que hoje se pode pôr o que quisermos nas redes sociais, seja verdade ou falso, e muitas vezes as pessoas não são capazes de se questionar se realmente aquilo é verdade. Devia haver mais conhecimento sobre isso para que não se espalhem notícias falsas.”

Neste seguimento, Joaquim resume a importância deste conhecimento ser desenvolvido em meio escolar: “É um assunto importante (a literacia mediática) e é importante combater a desinformação, mas é uma luta que nunca será realmente ganha; as verdades absolutas não interessam a ninguém porque não é possível discutir sobre elas.”

A vastidão e diversidade do ecossistema midiático tornam a navegação e a avaliação de informações um desafio constante, exigindo habilidades de literacia mediática desenvolvidas. Para o futuro, o desenvolver e implementar da literacia mediática enfrenta vários desafios, especialmente à medida que o panorama da mídia e tecnologia evolui rápida e constantemente. Para além disso, o acesso a recursos de educação mediática é díspare. Desigualdades económicas e geográficas limitam o acesso a programas de desenvolvimento da literacia mediática, especialmente em áreas rurais e entre comunidades de baixo poder económico. A falta de recursos adequados e instrução para os professores e educadores pode dificultar uma implementação eficaz da habilidade.

O surgimento constante de novas plataformas de mídia social, tecnologias de comunicação e formatos de mídia pode aumentar o nível de dificuldade na manutenção de programas de literacia mediática atualizados e relevantes. A crescente sofisticação das tecnologias de IA e deep fakes torna cada vez mais difícil para os indivíduos distinguir entre conteúdo verdadeiro do manipulado.

É necessário que a busca por conhecimento parta do indivíduo, para fomentar cada vez mais a literacia mediática rumo a uma sociedade mais consciente e informada corretamente.

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