“Não há o reconhecimento do papel, da importância, do cansaço, do desgaste que estes cuidadores têm todos os dias” garante José Dias Pires, presidente da Junta de Freguesia de Castelo Branco. A iniciativa “Cuidar de quem cuida” pretende levar a cuidadores informais a possibilidade de no mês das férias, quando as instituições fecham, terem algum descanso.
Surgiu de uma forma “pouco usual” este projeto, explica o presidente. A ideia nasceu durante uma conversa de café com o pai de uma jovem com paralisia cerebral. Nestas conversas que iam tendo, José apercebeu-se das dificuldades que vários pais de jovens e adultos com graves limitações enfrentam durante o mês de agosto.
Muitas das instituições e organizações que cuidam destas pessoas fecham portas para férias deixando as famílias sem este apoio diário. O chamado mês do descanso fica marcado por uma sobrecarga destes cuidadores. “O que nós decidimos foi: então fazemos nós esse trabalho!”, conta José sobre o objetivo de dar ao cuidador um intervalo de tempo diário que correspondia ao tempo a que o cuidado estaria nas instituições.
Nas últimas duas semanas de agosto é criado um campo de férias para estes cuidados, com atividades variadas como teatro, música, passeios, arte, dança, proporcionando experiências diferentes aos utilizadores. De sábado a segunda, durante nove horas, jovens e adultos saem da casa dos pais.
O projeto está apoiado em serviços que a Junta de Freguesia já oferece todos os dias, mas também num conjunto de parcerias com associações que permitem trazer novas atividades àquelas semanas ou suportar custos como as refeições.
“Boas relações, bons contactos e bom conhecimento comunitário” permitem que novas empresas, associações e pessoas entrem nesta iniciativa, explica José.
O receio inicial dos pais em deixar os cuidados depressa se dissipou. Se no primeiro dia os cuidados iam chegando pela mão dos pais, nos dias seguintes passaram a chegar na carrinha. Atualmente “já não se querem ir embora e o desejo é ter os utentes por 24 horas, ao invés das 9”, tornando “o período de descanso real dos cuidadores em 7 dias”. Este é o próximo objetivo e o ideal.
Para o presidente o que a junta pretendeu fazer foi “por um lado aliviar os cuidadores e por outro passar a mensagem: estas pessoas precisam deste tipo de atenção e deste tipo de trabalho.”
A falta de apoio a estas famílias é uma “evidência” que não é conhecida pela comunidade. Este projeto provocou “um alerta de consciência comunitária em relação a este trabalho”, mas também a compreensão, por parte dos pais, de que era possível e “muito fácil pôr de pé” esta iniciativa, que já foi reconhecida com o Selo de Mérito da Rede de Autarquias que Cuidam dos Cuidados Informais 2023-2024.
Estatuto do cuidador informal
O estatuto do cuidador informal foi aprovado em Assembleia da República em 2019 e regula os direitos e deveres do cuidador e da pessoa cuidada, estabelecendo também as respetivas medias de apoio como o descanso do cuidador ou um subsídio, se elegível.
As reivindicações para a criação deste estatuto surgiram mais cedo, em 2016, com a Associação Portuguesa de Cuidadores Informais, pelas mãos de cuidadores informais de pessoas com Alzheimer e outras demências. O movimento começa a partir de uma falha comum – a falta de apoios para com o cuidador e para com a pessoa cuidada. Atualmente, o estatuto expande-se para lá de pessoas com demências e doença de Alzheimer.
Rafaela, a medalhista
Na casa da família Louro ainda se recorda o dia em que Rafaela ganhou a medalha de bronze nos Special Olympics World Games de 2019. Hoje já está de fato de banho vestido, pronta para mais uma aula de natação enquanto ouve a história dos pais que acordaram ao som de despertadores de madrugada para ver a filha competir do outro lado do mundo.
A medalha hoje está em lugar de destaque no quarto, junto com outras tantas que foi ganhando ao longo do tempo, quer na natação quer no judo, mas esta tem um lugar especial no coração.
Começou a nadar aos cinco anos. Foi assim que a mãe, Isabel, conseguiu que ultrapassasse o medo de piscinas. Hoje, é como a mãe, explica entre risos: “mete a primeira a segunda e a quinta e lá vai ela.”
Já não faz treinos quatro dias por semana como era hábito, para a preparação dos Special Olympics, mas continua a nadar e a participar em competições. Rafaela passa os seus dias na APPACDM de Castelo Branco, mas tal como o presidente explica, no verão a rotina altera-se com o encerramento da associação.
Isabel trabalha perto de casa e quando Rafaela acorda encontra-se com a mãe todos os dias. São dois meses assim, em que Rafaela fica por casa e se junta à mãe para passar o tempo. “Senta-se lá e ali está e depois vem para baixo, depois volta para o pé de mim”, conta Isabel.
Neste período em que a associação encerra, Isabel diz precisar desta solução por não ter férias nesta altura. Rafaela é uma jovem independente e que muitas vezes auxilia os colegas da iniciativa, mas, como a mãe explica, há muitos outros casos de jovens, com um maior grau de dependência, que enfrentam este problema das férias.
Para esta mãe o projeto é fundamental, não só por desafiar estes jovens e adultos a interagir e a fazer coisas novas, mas também “para os pais, para o projeto, para a cidade e autarquia”.
Em vários casos do projeto não há estatuto do cuidador informal, mas como Isabel explica, “são cuidadores toda a vida.” A sobrecarga de muitos dos que passam por esta experiência não passa despercebida a Isabel que os conhece bem e sabe que quando o desgaste é grande “é impossível cuidar”.
“Tirar um mês inteiro (de férias) no verão, há quem não possa e isso impede que depois tenham outras férias, numa praia por exemplo.” Há quem seja “forçado a tirar férias só para cuidar”, mas essa é uma realidade escondida de muitas famílias.
Depois de uma reportagem feita pela SIC sobre o projeto foram várias as pessoas que entraram em contacto a nível nacional. Para esta mãe, estes contactos revelam “que está tudo no mesmo patamar a nível nacional, tudo com este problema.”
“Isto, o mundo real, não é o mundo que vemos ali, naquele retângulo”, garante Isabel enquanto aponta para a televisão da sala.
Este Natal o “Cuidar de quem cuida” retorna nos dias 21 e 28 de dezembro, com estes dias dedicados ao descanso dos cuidadores informais para, como explica o presidente de junta, “estes pais conseguirem fazer as suas compras de fim de ano e Natal.”
As eleições autárquicas são já para o ano e José Pires ressalva a importância deste projeto e o desejo de que este seja uma herança que se mantenha, independentemente do resultado das eleições.