Um trabalho que poucos querem fazer, e todos dependem dele. Os números baixos de jovens agricultores em Portugal somente engrandecem o papel da Escola Profissional Agrícola Quinta da Lageosa, localizada a pouco mais de 18 km da cidade da Covilhã, na Aldeia do Souto. Fundada em 1948, a instituição acolhe alunos apartir dos 15 anos, apresentando uma ampla oferta curricular na área da agricultura, com os cursos profissionais de Técnico de Produção Agropecuária, Técnico de Gestão Equina, Tratador e Desbastador de Equinos e Sapador/a Florestal. Esta instituição serve ainda como referência regional e nacional no ensino agrícola, fazendo parte da Rede Nacional de Centros Federados e estando integrada no projeto Eco-Escola desde 2013.
Na escola sentia-se um clima de tranquilidade e sossego, o vento balançava levemente as folhas das árvores, escutava-se o zumbido das abelhas, se parássemos por um momento conseguíamos ouvir de longe o barulho ensurdecedor da cidade. Aquilo que saltava à vista era o coração da quinta, o som dos estudantes a realizarem as suas atividades, dos animais a comunicarem, era toda uma atmosfera verde e brilhante, cheia de vida e alegria.
Por entre 320 hectares de terra e histórias, a vida de Bernardo Nobre, João Carvalho, Bruno Valente, Diogo Prata, Francisco Castanheira e Rodrigo Domingos, seis jovens agricultores, cruza-se.
Apesar de cada um ter a suas próprias particularidades, todos apresentam algo em comum, o interesse genuíno pelo setor agrícola. Independentemente das incertezas que sentem em relação ao seu futuro, todos estão unidos pelo mesmo objetivo, manter viva a agricultura, especialmente entre os jovens.
O amor pela agricultura encontra-se no olhar destes seis jovens agricultores. Desde a forma bem-humorada na qual falam da mesma, à maneira como estão conectados às suas origens familiares, muitas ligadas a um passado no campo, gerações de agricultores ligeiramente separadas pelos avanços tecnológicos, por condições de trabalho, e também por mudanças económicas e climáticas, desde pais e avós que incutiram o gosto pela área nestes jovens.
“Dos nossos pais, dos nossos avós, desde pequenos que crescemos assim no meio da agricultura, no meio do campo”, mencionou Bruno Valente. Já João Carvalho nem sempre esteve envolvido neste meio, referindo que ganhou recentemente o gosto pela área, tendo se inspirado no seu pai.
São diversos os problemas inerentes à falta de jovens neste setor. As condições de trabalho na agricultura são duras, é um trabalho “árduo, dolorido, puxado, cansativo” reforça João Carvalho. São longas horas de trabalho físico, “Estás lá quatro ou cinco horas, chegas às tantas a casa e no dia seguinte tens de pegar cedo outra vez, não é um trabalho fácil, referiu Francisco Castanheira. “Na agricultura há o tal ditado, não há férias, não há fim de semanas, não há feriados”, concluiu Diogo Prata.
Grande parte dos agricultores não têm acesso a salários dignos, os custos de alimentação têm aumentado nos últimos anos, tal como os custos de produção, que se encontram elevadíssimos devido a fat
ores como a guerra na Ucrânia e medidas de sustentabilidade propostas pela UE. A tentativa de combate às alterações climáticas, a grande carga burocrática sentida a nível nacional, entre outros aspetos, constituem uma visão de futuro algo incerta para os jovens agricultores.
“Nós temos o receio que quando sairmos daqui queremos trabalhar e tanto pode dar certo como errado, uma pessoa está todos os dias nisto e depois um dia não conseguir é frustrante”, referiu Francisco Castanheira entristecido.
Segundo dados da Eco, o setor agrícola em Portugal é marcado por salários baixos, custos de produção altos, imposições por parte de câmaras municipais em relação ao uso de água e medidas agroambientais que exigem constante adaptação.
“Eu acho que a agricultura está um bocado má no nosso país e não só, acho também que como somos um país tão pequeno não devíamos de ter um problema tão grande” mencionou Bruno. “Mas não é só no nosso país, a agricultura no mundo inteiro não está favorável para ninguém, agora com a guerra na Ucrânia, ainda ficou pior”, concluiu.
Como forma de protesto e de garantirem os seus direitos, foi organizada uma manifestação pelo Movimento Civil dos Agricultores, em Vilar Formoso, onde estiveram presentes Bruno Valente e Diogo Prata. “Nós dois fomos à própria manifestação a Vilar Formoso, fomos manifestar os nossos direitos” referiu Diogo, “Nós não somos ainda grandes agricultores, mas gostamos da parte agrícola e fomos a manifestar aquilo que um agricultor pretende daqui a uns anos”, acrescentou.
Com o crescente envelhecimento da população, torna-se cada vez mais importante existir uma aposta clara na renovação geracional da agricultura. Neste sentido é necessário que existam políticas firmes e estáveis que de forma eficiente consigam contrariar a tendência do abandono e do envelhecimento do setor agrícola, procurando ajudar e incentivar os jovens agricultores. “Depois também temos um problema, a nossa população cada vez estar mais envelhecida, há menos agricultores e jovens agricultores.”, referiu Bruno Valente.
No início deste ano, em comunicado, o Conselho Europeu de Jovens Agricultores expressou a sua solidariedade perante a realidade atual experienciada pelos mais novos trabalhadores rurais, desde complexidades burocráticas, casos de explorações e outras práticas comerciais desleais, convertendo-se num número alarmante, onde apenas 6,5% dos agricultores no continente têm menos de 35 anos.
A aposta numa agricultura mais sustentável e biológica apresenta-se como um pilar para estes jovens agricultores que acreditam um dia poderem vir a competir contra os “grandes”, não se focando apenas no lucro, mas sim numa prática mais sustentável e “amiga do ambiente”. “Podemos vir a competir contra os grandes, os grandes baseiam-se mais na parte dos pesticidas, usam um produto qualquer para aquilo ficar maduro mais depressa, para terem mais venda do que os outros” mencionou Diogo Prata. “Se calhar nós optando pelo produto mais biológico possível, acho que conseguimos daqui a uns anos dar a volta à situação”, concluiu com esperança.
A Escola Profissional Agrícola Quinta da Lageosa tem como objetivo dotar os jovens de ferramentas necessárias para o seu futuro, fornecendo terrenos férteis para o cultivo não apenas de produtos agrícolas, mas igualmente de amizades.
Por entre botas sujas e mãos calejadas, os estudantes aqui arregaçam as suas mangas, demonstrando tudo aquilo que aprenderam ao longo do seu percurso. Estes são a alma da quinta, guiados por professores experientes, usufruindo de aulas e projetos, preparam-se durante anos para enfrentar os desafios do setor, sentindo-se orgulhosos de poderem ser agricultores. “E sinto-me orgulhoso porquê? Porque hoje em dia já não há muitos agricultores, e sem agricultura não há comida na mesa”, referiu Rodrigo Domingues.
“Tendo eles as competências que adquirem aqui, as competências que têm de continuar
a adquirir ao longo da vida e um bocadinho de sorte, é sempre necessário um bocadinho de sorte, eles não vão ter mãos a medir” referiu Agostinho Ferreira, Diretor da EPAQL, reforçando ainda que, estes jovens são fundamentais para o desenvolvimento sustentável da região e combate aos fogos rurais, se não houverem jovens agricultores, empresários agrícolas e florestais, o cenário que nos aguarda é o de catástrofe.
Ao concluírem o ensino na Escola Profissional Agrícola Quinta da Lageosa, os alunos abrem as portas para um mundo de oportunidades, como o acesso ao ensino superior, onde lhes estão disponíveis diversos cursos de ciências agrárias, como zootecnia, agronomia, biotecnologia, ou até mesmo a entrada no mercado de trabalho, onde poderão vir a desempenhar funções em empresas agrícolas ou pecuárias.
São diversos os sonhos e aspirações que estes jovens agricultores apresentam. Bernardo Nobre afirma querer ser agricultor no futuro e possuir animais, já Diogo Prata vê-se inicialmente como um trabalhador e posteriormente afirma que gostaria de possuir o seu próprio negócio agrícola.
Diz-se que um dos trabalhos mais dignos que se pode ter, é o de agricultor, “Nós precisamos de um médico de vez em quando, do advogado muito raramente, mas do agricultor precisamos todos os dias”, proferiu Agostinho Ferreira. E graças à formação profissional num ambiente qualificado como o da Quinta da Lageosa, os jovens fazem questão de lutar por um futuro mais favorável, não só para eles próprios, como também para o futuro da agricultura em Portugal e no mundo.