O Festival de Teatro da Covilhã ocorreu entre os dias 7 e 16 de fevereiro no auditório das Sessões Solenes da Universidade da Beira Interior. A falta de um espaço na universidade para a realização do Ciclo de Teatro e o seu financiamento são as principais dificuldades na preparação e organização do evento que demora muito mais do que apenas uma semana.
A Produção e a Organização do evento
Enquanto se prepara para dar início ao ensaio de teatro da Universidade da Beira Interior (UBI), no café Oriental de São Martinho, Rui Pires, encenador e diretor do Festival de Teatro da UBI, explica-nos os desafios de organizar um Festival. “As pessoas quando chegam para ver os espetáculos não têm a mínima ideia do trabalho que ali esteve”, refere o diretor.
A ausência de um espaço na universidade para o grupo de teatro da UBI ensaiar e de um palco para a concretização dos espetáculos torna ainda mais difícil a sua preparação. “Não é só chegar e atuar” como diz Maria do Carmo Teixeira, uma das diretoras da ASTA. É necessário alterar um auditório para uma sala de teatro e montar todo o material.
A ASTA é uma estrutura profissional de criação e programação, financiada pela Direção Geral das Artes e este festival faz parte da sua programação.
O processo de transformar um auditório para aulas num palco de teatro é complicado, porém “é um esforço humano que é necessário”, refere Rui Pires. Afirma ainda que “era muito mais fácil se fosse numa sala própria para teatro, assim, é mais difícil e demora mais tempo a preparar.” No fim de todas as atuações, a desmontagem do palco e a sua transformação num auditório para aulas e conferências é, novamente, um trabalho desafiante.
“Há uma pré-fase, uma pré-produção, que é feita muito antes do Festival” e, por isso, Rui Pires começa a planear as datas do próximo Ciclo de Teatro Universitário da Beira Interior assim que este acaba. Um ano, é a antecedência com que este evento é preparado.
Nuno, é o principal técnico responsável pela montagem do espaço que, todos os dias, durante uma semana, serve de palco a um espetáculo diferente. O técnico explica que em um dia é preciso fazer “a montagem da luz, do som e da cenografia”.
Antes de cada atuação é feito um ensaio final e depois do espetáculo é necessário desmontar tudo. Ao final do dia, o grupo que atuou arruma as suas coisas e as pessoas que vêm no dia a seguir tiram tudo, o que vão precisar de montar, dos carros. “São nove dias seguidos sempre a fazer a mesma coisa e o mais difícil é o cansaço que se vai acumulando no dia a dia”, informa-nos Nuno enquanto prepara o som de uma das peças.
“Num festival, as coisas são todas condicionadas porque todos os dias são marcados por espetáculos e é necessário montar o espaço durante o dia”, refere Maria do Carmo Teixeira, diretora da ASTA.
“No festival tem de estar tudo programado, tudo com antecedência, os alojamentos, as alimentações têm de estar marcadas, toda a divulgação tem de estar previamente feita”, acrescenta Maria do Carmo.
As companhias de teatro que vêm atuar à Covilhã precisam de algumas horas para preparar o palco que vão pisar ao final do dia, mas antes disso necessitam de um sítio para passar a noite, “os grupos vêm por norma na véspera e, portanto, tem de haver alojamento e alimentação”, afirma a diretora da ASTA.
Quando há cenário é preciso prepará-lo e as luzes também são todas direcionadas por alguém que faz parte da equipa artística. Depois do espetáculo tudo tem de ser desmontado para ser preparada a vinda do próximo grupo que descarrega o material durante a noite e que será montado na manhã seguinte. O horário de montagem normalmente é as 10:00h da manhã, mas depende de cada grupo, por exemplo, “os grupos espanhóis normalmente querem vir sempre mais cedo,” esclarece-nos Maria do Carmo.
As despesas são todas asseguradas pela Asta e a maior dificuldade para a organização deste evento “é sempre o financiamento” e o facto de se estar dependente da cedência do auditório da Universidade. “Este ano já estamos a pedir para o ano”, revela a diretora da ASTA, enquanto nos encaminha até aos bastidores.
O Festival e as companhias de teatro
O festival de teatro da Covilhã é composto por dez espetáculos e 11 companhias. A partir de 2006 passou a haver espetáculos de companhias profissionais e este ano sobem ao palco três delas. Estes grupos também recebem a ASTA e o grupo de teatro da UBI nos seus festivais, esclarece-nos Rui Pires, o diretor do festival.
Entre os vários grupos há um intercâmbio. A Aula de Teatro da Universidade de Santiago de Compostela vem a este festival há 27 anos e o grupo de teatro da UBI vai ao deles há 28 anos e como tal, “é uma relação que se cria já de muitos anos e por isso, já “não é só teatro”, refere Rui Pires. O grupo TeatrUBI foi várias vezes a Marrocos e também já atuou no Brasil, na Turquia e na Costa Rica.
“A maior parte dos estudantes, não vai ver espetáculos de teatro”, diz-nos o diretor com um ar desiludido. Deste modo, a sua expectativa para este festival é que apareça muita gente, uma vez que é gratuito e muito enriquecedor. Na sua opinião, o festival é muito interessante porque as pessoas podem ver 11 maneiras diferentes de fazer teatro, visto que cada grupo convidado tem uma visão e uma maneira específica e única de representar.
Para o encenador e diretor “o teatro põe nos à vontade com o nosso próprio corpo e com os outros” e é através do texto que se consegue expressar e controlar as emoções, sendo que para se interpretar um texto e uma personagem é muito importante saber improvisar. “É preciso improvisar”, reforça-nos Rui.
Estar por de trás da construção de uma peça “é muito interessante”, diz Paula Aleixo, aluna da UBI e do grupo Teatrubi. Exige alguma dedicação e esforço, mas como neste grupo de teatro os trabalhos que levam para casa “são ver filmes e decorar pequenos textos não exige muito”, diz a aluna.
É aqui, numa sala do café Oriental que, desde novembro, o grupo de teatro da UBI ensaia para o festival de três a quatro vezes por semana a nova peça “Nó cego” em que a mensagem que se pretende transmitir é a dualidade de “amor e dor”. Apesar de ser o primeiro ano que participa num grupo de teatro, para esta aluna, fazer teatro, “é uma forma de expressar aquilo que contemos dentro de nós, principalmente na altura da faculdade em que é muita ansiedade, muitos trabalhos e muita pressão por parte dos professores.” Afirma que não é preciso muita coisa para representar uma peça, mas que é necessário “ter um bocadinho de confiança e apoiarmo-nos uns aos outros”.
O teatro, para Paula Aleixo, “tem muita importância”, porque mesmo quando chega a casa cansada e pensa que ainda tem de ir ao ensaio, chega aqui, a esta sala e “é libertador”. A aluna de design de moda não deixa de partilhar o seu nervosismo por subir ao palco pela primeira vez e espera que a semana do festival seja “uma semana cheia de cultura e de coisas diferentes”.
Rui Pires, encenador da peça “Nó cego”, diz não querer passar nenhuma mensagem em específico, mas sim mostrar várias coisas e dar pistas, uma vez que “essa é a riqueza dos espetáculos”. Conta-nos que as suas peças são sempre em torno do amor, paixão, ódio, vida, morte, dor e prazer e são todos os elementos que fazem parte do espetáculo, como a iluminação e o som, que ajudam a passar uma certa mensagem para o público.
Os ensaios “estão a correr bem”, mas na opinião de Sara, também aluna do Teatrubi, “nós nunca nos sentimos preparados”. Refere que a experiência de participar num grupo de teatro está a ser boa, mas um bocadinho diferente do que estava à espera porque “este tipo de teatro não é convencional, não é uma história com princípio, meio e fim”. Ter confiança, ser um bocadinho fora da caixa, ter alguma criatividade e “tentar deixar os medos e as vergonhas de lado” são alguns dos atributos que, para Sara, quem faz teatro deve ter.
A presença do teatro na vida da jovem de 22 anos: “está a ser muito importante” principalmente para conseguir dar algum sentido às coisas que sente e as expressar de uma maneira diferente.
David Gaspar, aluno de sociologia da UBI, vai participar no festival pela segunda vez, mas já faz teatro desde o sétimo ano de escolaridade. Diz que os ensaios são baseados no improviso, coreografias, retificação de erros e repetição de cenas e que esta arte “é feita no real, onde ocorrem sempre imperfeições, porque errar é humano”. Explica-nos ainda que “é através das metáforas, sejam elas de amor, angústia ou de desespero, que criamos a nossa própria interpretação da história tendo em conta as experiências de vida que tivemos”. Antes de subir ao palco, David diz sentir “aquele nervosismo, de poder falhar”, mas, quando está em palco dá sempre o seu melhor.
Os alunos do grupo de teatro NNT da Universidade Nova de Lisboa são os primeiros convidados a apresentar o seu trabalho no dia 11 de março, segunda-feira. Sobem ao palco para apresentar a peça “25 fragmentos” que se baseia na história: “As três irmãs” de Tchekhov. Cerca de meia hora antes do início do espetáculo, Sara Hung, encenadora da peça, encontra-se num banco de madeira junto à porta do auditório das Sessões Solenes a passar os figurinos dos atores a ferro de uma forma tensa.
A encenadora informa-nos que houve um imprevisto com uma das atrizes da peça. A atriz, que está em França a estudar e já tinha bilhete de avião marcado para Portugal, teve de ser operada de urgência e não pode estar presente. Para solucionar este problema de última hora, o grupo pede ajuda a Rosa, uma amiga dos intérpretes, para substituir a atriz principal. Porém, Rosa tem apenas um dia para ensaiar o texto.
Enquanto está em cima do palco, tem como ajuda o guião e os próprios colegas e amigos. Assim que o espetáculo chega ao fim, os espectadores enchem-na de elogios e aplausos, apesar das poucas horas de ensaio, pois gostam da sua prestação e à vontade no palco. No decorrer da peça é possível sentir a união que paira sobre o palco, pois mais do que atores são amigos.
Para Sara Hung, encenadora do grupo de teatro da NOVA, o teatro universitário é muito importante, visto que é um espaço de liberdade, “um espaço que permite sair da caixa”, e é benéfico para qualquer profissão e para a vida em geral.
Os alunos da universidade Nova de Lisboa (UNL) falam-nos um pouco da sua experiência e relação com o teatro, “os ensaios são mais intensos, nas duas semanas antes de estrear a peça”, referem os alunos. Apanharam o autocarro na capital, no dia anterior à atuação, às 10.00h da manhã e chegaram à Covilhã às 13.00h da tarde. No dia do espetáculo, estão a ensaiar num espaço fora do auditório, uma vez que está outro grupo a atuar. Passam então, o dia todo, “a decorar muito texto”, revela-nos uma das alunas.
Para os alunos da UNL, o teatro é uma das poucas artes em que se culmina tantas horas de trabalho num só dia. Uma das alunas considera que subir ao palco é uma grande satisfação porque depois de muitos meses de trabalho, de “problema atrás de problema”, no dia do espetáculo “é um alívio, é uma descarga, onde descarregas tudo o que consegues.”
Outro aluno vê o teatro como “uma forma de escapar ao quotidiano, pois temos a possibilidade de explorar uma nova personagem e podemos ser o que quisermos”. Refere ainda que isso é muito importante, principalmente numa sociedade tão moldada como a nossa.
Javier Lopera, do teatro “La Buhardilla”, vem da Colômbia para apresentar a peça: “Desconcierto para único ejecutante” que retrata a história de Vicente Sanclemente, um clarinetista que iniciou o seu destino numa noite de 1898 no Teatro Junín.
Num ambiente marcado pela emoção dos momentos a seguir ao espetáculo e por uma consideração positiva do público, Javier Lopera, o ator da peça, revela-nos que a obra começou a ser ensaiada durante a pandemia, com encontros virtuais. “A apresentação foi em outubro de 2020” e por isso, só tiveram um mês de ensaios presenciais. Javier refere ainda que as principais dificuldades ao ensaiar uma peça são a maneira como se interpreta uma personagem, a forma como o diretor transmite a ideia acerca do que quer apresentar e a interpretação que os atores fazem do texto.
Enquanto Javier Lopera está sentado num banco, no exterior do Auditório das Sessões Solenes, a comer comida de um “take away” da cantina por volta da meia noite, dirigimo-nos ao segundo ator colombiano da noite.
“La pavorosa epopeya de un soldado” é representada por Juan Pablo, do grupo de teatro “Azul Crisálida”. Esta peça demonstra a maneira como um soldado da quarta frota chinesa se liga emocionalmente a uma tigresa depois de ter ficado sozinho.
O ator e estudante universitário de design industrial na Colômbia, diz-nos que tem sido difícil conciliar a universidade com o teatro, uma vez que no ano anterior, não só havia muito trabalho da escola, como também era preciso ensaiar para a peça, montar e polir coisas. No entanto, “no final acaba tudo por correr bem, as coisas começam a articular-se”, explica ainda o ator.
O Grupo de Teatro Sem Máscara da universidade do Porto foi criado há dois anos e atuam, pela primeira vez, fora da cidade, no 28º Ciclo de Teatro Universitário da Beira Interior.
Desde o seu início, em 2021, o grupo enfrentou várias dificuldades, entre as quais, a ausência de um espaço para ensaiar. Os alunos, referem que quando começaram a ensaiar esta peça tinham de fazê-lo na garagem de Bárbara, uma das alunas.
Os alunos e atores da peça “O Despertar da Primavera” contam-nos que chegaram a ensaiar numa igreja enquanto a missa decorria e por isso, o som era desligado diversas vezes.
Para utilizarem os acessórios que vestiram durante a peça e comprarem as flores que estão em cima do palco tiveram de vender rifas. “Fazer a peça não é apenas ser ator ou atriz” afirma Jéssica. Relata ainda que por de trás de um espetáculo de teatro está todo o processo que diz respeito não apenas à construção da relação com a personagem, como também da relação que se estabelece em palco com os restantes atores. “Somos amadores porque amamos o teatro”, despedem-se assim de nós os alunos do grupo de teatro do Porto.
O grupo “Maricastaña” da Aula de teatro Universitário de Ourense chega de Espanha para interpretar, no penúltimo dia do Festival, “Desiquilíbrios”, uma história que retrata uma oposição entre as pessoas que estão no poder e se querem perpetuar e aquelas que questionam a sua loucura.
No final do espetáculo, Fernando Da Costa, encenador da peça, ficou a desmontar o material com os restantes atores. O encenador explica-nos que só em janeiro é que começaram a montar a peça de “um jeito mais ortodoxo”. Refere que a principal dificuldade ao dirigir esta obra foi “juntá-los a todos porque umas pessoas estudam e outras trabalham”. Fernando, explica-nos que como o espaço está todo em função de cadeiras, os ensaios centraram-se no ator ou na atriz em contacto com essa cadeira. Acrescenta ainda que “cada ator representa uma loucura que é uma metáfora das pessoas que estão dentro do sistema e que querem sair e poder viver livremente”.
António Miranda, ator da peça “Desiquilíbrios” diz que faz teatro há anos, mas não de forma contínua, uma vez que é pastor de ovelhas na Galiza. O ator e pastor, menciona que apresentar esta obra noutro país “é uma experiência fantástica”.
Chegamos ao último dia do Festival de Teatro da UBI com a recepção da Aula de Teatro da Universidade de Santiago de Compostela. “Antropoloxia do bico” é a peça que encerrará o 28º Ciclo de Teatro da UBI e remete para principal função da boca que não é comer, morder ou falar, mas sim beijar. A ausência ou a presença de beijos na nossa vida determina a forma como pensamos, o que queremos, o que odiamos e o motivo pelo qual repetimos sempre as mesmas ações.
Esta peça, foi encenada por Roberto Salgueira e conta com um elenco composto por dois atores: Laura Valeiras e Paulinho Mouriño Pereiro. Laura, refere que começaram a ensaiar na segunda semana de janeiro, cerca de quatro dias por semana e três horas por dia e a estreia foi em Santiago de Compostela na segunda semana de fevereiro. Para a atriz, foi fácil conciliar a universidade com o teatro, pois só tinha uma cadeira para fazer e, por isso, pode-se “entregar ao trabalho sem problemas.”
A última cena ficou marcada por um beijo entre Laura e Paulinho. A atriz confidenciou que só podiam deixar de se beijar quando o público aplaudisse, o que demorou cerca de um minuto. Terminou, assim, com sorrisos e aplausos mais um ano do Ciclo de Teatro da Universidade da Beira Interior.