Quando a Mentira se transforma em Notícia

No cenário atual, marcado pela rápida disseminação de informações nas redes sociais, a desinformação e as Fake News têm denegrido a confiança da população no jornalismo. Muitos cidadãos, especialmente os mais velhos, expressam saudades de uma época em que consideravam as notícias mais imparciais e confiáveis.

O Jornalismo Moderno Perdeu a Confiança da População?

“Antigamente, o jornalismo era sério”, afirma Maria Lurdes, enquanto espera o autocarro na avenida da cidade de Lamego. No quiosque Lamecense, João Vieira, de 68 anos, lê o jornal e desabafa: “Hoje em dia, não se pode confiar em tudo o que se lê nos jornais”. Já no mercado local, Helena Almeida, de 74 anos, pousa os sacos de compras que carregava e comenta: “Os jornalistas de hoje só querem saber de escândalos”. Este fenômeno destaca o desafio enfrentado pelo jornalismo moderno em reconquistar a confiança do público, especialmente diante da crescente polarização de fontes enganosas.

Andrea Basílio

Desafios Contemporâneos e a Importância da Verdade no Jornalismo

A desinformação e as Fake News tornaram-se um problema cada vez mais preocupante na Era Digital, afetando a confiança pública e ameaçando a integridade das democracias. Para melhor entender essas questões, entrevistamos Andrea Basílio, responsável pela programação infantil do programa Zig Zag na RTP, Ricardo José Guedes Pereira, técnico superior da Câmara Municipal de Lamego, e Carolina Salgado, jornalista no jornal “Correio da Manhã” e antiga aluna da Universidade da Beira Interior.

Desinformação e Democracia

Andrea Basílio, que trabalha na RTP há onze anos, alerta para os perigos iminentes da desinformação: “Acho que as consequências podem ser devastadoras. A desinformação não só transmite informações erradas, como também mina a estrutura de uma sociedade democrática. Isso fomenta a desconfiança dos cidadãos, o que pode levar a uma erosão da crença na democracia e à ascensão de modelos não democráticos, como os ditatoriais”. Ricardo Pereira, complementando essa visão, ressalta: “A desinformação serve muitas vezes para manipulação, onde se misturam informações falsas com verdadeiras, ao serviço de interesses políticos e económicos obscuros. A extrema-direita, por exemplo, aproveita-se dessa questão”.

Carolina Salgado, por sua vez, destaca a gravidade do impacto das Fake News: “As Fake News e a desinformação são um assunto muito grave que nós, como jornalistas, devíamos tentar resolver o quanto antes. A verdade é que com a facilidade da internet, com as redes sociais e como toda a gente consegue publicar o que quiser quando quiser, é muito fácil promover essa desinformação”.

Ricardo Pereira

A Perda da Credibilidade dos Jornalistas

A confiança pública no jornalismo tem sido fortemente abalada. Andrea Basílio observa que “com o advento das redes sociais, todos acham que podem ser jornalistas, o que mina a relação de confiança e compromete a credibilidade da informação. É vital que o jornalismo se mantenha independente, credível e digno de confiança”. Ricardo Pereira enfatiza a pressão pela rapidez: “Atualmente, a pressa para publicar primeiro compromete a verificação dos fatos. Antes, havia tempo para contextualizar e verificar a informação, o que agora se perde. Essa perda de tempo resulta na perda da verdade”.

Carolina Salgado acrescenta a necessidade de uma sociedade mais crítica e reflexiva: “É muito importante que a sociedade pense bem quando está a ler uma notícia, que verifique as fontes, que compare sites, entre outras coisas, pois só assim é possível verificar a veracidade das informações que lê”. Ela também sublinha a distinção essencial entre criadores de conteúdo e jornalistas: “Há que saber distinguir um criador de conteúdos de um criador de notícias. Conteúdo qualquer um cria, mas com as notícias já não funciona assim. É preciso que exista um jornalista”.

Estratégias para Combater a Desinformação

Para enfrentar esses desafios, os três especialistas sugerem diferentes abordagens. Andrea Basílio aconselha os jornalistas a “consultarem muitas fontes credíveis e investirem tempo na investigação. A rapidez é inimiga da perfeição. Órgãos de comunicação social devem apoiar e remunerar bem os jornalistas para que possam investigar adequadamente. O jornalismo é uma atividade nobre e essencial para a sociedade”. Ricardo Pereira incentiva a perseverança e a curiosidade: “Nunca desistam e façam sempre a pergunta ‘Porquê?’. Procurar as razões por trás das ações é crucial. Apesar dos desafios, acredito que o jornalismo ainda se pode vingar e sobreviver. Acho que as pessoas se vão cansar um bocadinho das redes sociais e as estatísticas já dizem isso. As pessoas não vão regressar ao papel, mas se calhar através da internet, através do telemóvel, vão tentar procurar informação”.

Carolina Salgado, preocupada com o futuro, ressalta a necessidade de união entre os jornalistas: “Se este fenómeno das Fake News e da desinformação se propagar ainda mais, nós jornalistas temos de nos juntar para tentar combater essa situação”. Ela conclui com uma reflexão sobre a importância da informação correta: “Não consigo imaginar um futuro com a desinformação. São várias as situações em que a sociedade só tem conhecimento de um acontecimento graças aos meios de informação, e é por esse motivo que é nossa obrigação informar corretamente o público”.

Carolina Salgado

O Impacto das Redes Sociais no Jornalismo

As redes sociais têm desempenhado um papel central na disseminação de informações, tanto verdadeiras quanto falsas. Andrea Basílio destaca a influência das redes sociais no consumo de notícias: “Com as redes sociais, a informação circula a uma velocidade impressionante. Isso é um problema quando se trata de desinformação, porque um boato pode espalhar-se rapidamente e ser tomado como verdade antes que os factos reais sejam verificados”. Ricardo Pereira também aponta a pressão exercida pelas redes sociais sobre os jornalistas: “A corrida para ser o primeiro a publicar muitas vezes resulta na divulgação de informações não verificadas. Isso é exacerbado pelas redes sociais, onde a velocidade de publicação é valorizada em detrimento da precisão”.

Carolina Salgado acrescenta que, embora as redes sociais tenham facilitado a disseminação de notícias, também aumentaram a responsabilidade dos jornalistas: “Hoje, qualquer pessoa pode publicar uma notícia, mas isso não significa que essa notícia seja verdadeira. Cabe aos jornalistas verificar os fatos e garantir que a informação correta é disseminada. Isso é essencial para manter a confiança do público”.

A Relevância do Jornalismo Investigativo

O jornalismo investigativo é uma das áreas mais afetadas pela crise de confiança e pela desinformação. Andrea Basílio enfatiza a importância do jornalismo investigativo: “O jornalismo investigativo é crucial para revelar verdades ocultas e responsabilizar aqueles no poder. Sem ele, muitas injustiças e corrupções permaneceriam escondidas”. Ricardo Pereira concorda, acrescentando que o tempo e os recursos necessários para o jornalismo investigativo estão frequentemente em falta: “A pressão para produzir conteúdo rapidamente muitas vezes impede os jornalistas de dedicar o tempo necessário para investigações aprofundadas. Isso prejudica a qualidade e a credibilidade do jornalismo”.

Carolina Salgado também destaca a importância do jornalismo investigativo e a necessidade de apoio institucional: “Para que o jornalismo investigativo prospere, é necessário que os órgãos de comunicação social forneçam os recursos e o apoio necessários. Isso inclui financiamento, tempo e proteção legal para que os jornalistas possam realizar o seu trabalho sem medo de represálias”.

O Futuro do Jornalismo

Apesar dos desafios enfrentados, há uma esperança cautelosa para o futuro do jornalismo. Andrea Basílio acredita que a educação e a alfabetização mediática podem desempenhar um papel vital na recuperação da confiança pública: “Educar o público sobre como consumir notícias criticamente é fundamental. As pessoas precisam saber como identificar fontes confiáveis e distinguir entre fato e opinião”. Ricardo Pereira vê um futuro onde o jornalismo digital pode florescer: “Acredito que o jornalismo digital tem o potencial de alcançar um público mais amplo e envolvê-lo de maneiras novas e interativas. Isso pode ajudar a restaurar a confiança e o interesse no jornalismo”.

Carolina Salgado conclui com um apelo à colaboração e à inovação: “Os jornalistas precisam unir forças e procurar novas formas de cativar o público. Isso pode incluir o uso de novas tecnologias, como o jornalismo de dados e o jornalismo multimídia, para contar histórias de maneiras mais impactantes e envolventes”.

A desinformação e as Fake News são ameaças reais e presentes que podem ter consequências devastadoras para a sociedade. A confiança no jornalismo e a integridade das informações são pilares essenciais que devem ser protegidos. Os conselhos de Andrea Basílio, Ricardo Pereira e Carolina Salgado destacam a importância da investigação rigorosa e do comprometimento com a verdade, essenciais para enfrentar esses desafios. É imperativo que o jornalismo recupere a sua credibilidade e continue a servir como uma fonte da verdade em uma sociedade democrática. A colaboração entre jornalistas, o apoio institucional e a educação do público são elementos-chave para garantir um futuro onde o jornalismo possa prosperar e continuar a desempenhar o seu papel vital na democracia.

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