“O arquivo acaba por participar sempre”. É assim que Cristina Caetano, coordenadora daquela instituição municipal, explica a importância desta como o sítio onde estão guardadas as memórias da cidade. “O museu da Covilhã existe porque a informação sai daqui”, explica, garantindo que dão suporte também a outros eventos.
Há uma ideia da “velha guarda”, como explica Carla Santos, de que os arquivos são apenas para historiadores e investigadores. A verdade é que se tem tentado abrir as portas desta casa de memórias a toda a comunidade.
Recebem pessoas que querem saber mais e escrever sobre as suas aldeias e terras, mas também os mais jovens. “Ainda agora, com o Dia Municipal da Cultura, organizamos a ‘caça aos monstros’ com as famílias e crianças.”
Estes “monstros” são, nada mais nada menos, do que piolhos dos livros, baratas e besouros que acabam por habitar nas caixas dos arquivos. “Todas as crianças e jovens sabem o que é uma biblioteca, mas se perguntarmos: o que é um arquivo?”, segundo Carla, muitas crianças hesitam na resposta.
O próximo objetivo, para qual o arquivo já está a trabalhar, é conseguir colocar online todo o seu catálogo. A digitalização do espólio completo ainda está longe e, como explica Cristina, “nem a Torre do Tombo tem todos os documentos digitalizados”.
No dia que assinala os 23 anos, receberam-se no arquivo as “Conversa Não Arquivadas”, com João Pedrosa e Lucas Antunes, dois jovens investigadores que vieram parar ao arquivo da cidade através das suas investigações.
Lucas licenciou-se em História da Arte e é natural do Fundão. Uma cadeira de história do urbanismo trouxe-o até estas quatro paredes quando procurava o Plano de Melhoramentos da Covilhã de 1883, do engenheiro Antunes Navarro.
Este documento permitiu-lhe fazer uma recolha dos contributos deste para a história do urbanismo covilhanense e para a sala lotada permitiu a quem o ouvia re-imaginar uma Covilhã de outros tempos, que à altura, Navarro “já considerava como incompatível com a modernização que se desejava”.
Para João Pedrosa foi a mobilização civil para a guerra do Ultramar e a sua pesquisa pelos nomes dos recenseados que ia encontrando pelos livros de recenseamento militar, a que apelida carinhosamente, pelo tempo passado com eles, de “calhamaços”. Um deles trouxe-o até à cidade.
Ambos os investigadores, concordam que não é feita aos jovens, que iniciam os estudos no ensino superior, uma introdução a “de onde vêm esses documentos que nós vemos digitalizados”.
Mesmo passando muitas horas em arquivos, João, ao entrar na sala onde se escondem as memórias da Covilhã, diz que “passava uma noite a dormir ali dentro”. No entanto, não deixa de dizer que gostava que houvesse uma maior digitalização destes inventários. Muitos dos espaços têm horários limitados de funcionamento, o que dificulta o trabalho ao investigador.
Que “o arquivo desmistifica muita coisa” é uma das ideias de João, que também vê no país, uma romantização de certas partes da história “também por conta do Estado Novo, que vai fazer um branqueamento geral da história que ainda se sente hoje muito e até mesmo em questões de história local”.
Dentro dessa temática, entra a questão dos documentos classificados. Na pesquisa de João existiam momentos em que lhe estavam vedadas certas informações. Dá o exemplo do arquivo Salazar ou o arquivo da PIDE, onde aparecem pessoas que ainda estão vivas, “que fizeram certas e determinadas coisas que podem colocar em causa a sua vida”.
No seu trabalho, João, já recolheu testemunhos orais, de diários de guerra e muita bibliografia, mas reconhece que até estes podem não ser “fiáveis” daí a importância do arquivo para evitar “manipulações e a politização da história”. As plantas, para Lucas, dão menos problemas, mas também reconhece que é necessário regressar a estas fontes e bases ao longo de uma investigação.
Para João, o arquivo é como um pessegueiro, “podemos fazer um doce ou então podemos deixar estragar”.