“O nosso inimigo é a Rússia e o nosso rival sistémico é a China”

“Não há paz se não tivermos a capacidade de dissuadir os nossos inimigos”. A convicção é de Liliana Reis, professora de Relações Internacionais, que considera que uma eventual cedência de território ucraniano à Rússia “é um sinal altamente negativo que a Europa e a NATO dão ao mundo”.

A deputada na Assembleia da República, com funções na área da Defesa, regressou à Universidade da Beira Interior e, em entrevista ao URBI, confessou que não tem uma “visão catastrofista nem fatalista” do regresso de Donald Trump à Casa Branca. Antevê o seguimento de um caminho iniciado por Obama, com a política externa norte-americana focada no Indo Pacífico. E considera que a NATO não vai entrar em decadência. Reconhece, ainda, que os Estados precisam de investir mais na Defesa e que a Europa tem de mudar “para uma mentalidade de guerra”.

 

Porque é que decidiu interromper a sua carreira como professora para ingressar e exercer o seu papel como deputada? 

Na verdade, não foi e algo planeado, foi algo acidental. Ou seja, não houve aqui da minha parte um planeamento por uma carreira política em vez de uma carreira académica. Não se tratou disso. Aquilo que aconteceu foi que me foi lançado o desafio pelo secretário-geral do Partido Social-Democrata, Hugo Soares, que me convidou efetivamente para encabeçar a lista por Castelo Branco. Devo partilhar que eu ainda lhe pedi dois dias de reflexão, porque necessitava falar com a minha família e perceber de que forma é que a minha família apoiaria ou não esta minha decisão. E depois, no domingo, o secretário-geral do Partido Social-Democrata, voltou-me a ligar e disse efetivamente que o meu nome já tinha sido enviado para a comunicação social como uma das cabeças de lista pela Aliança Democrática a nível nacional. Na verdade, quando me foi feito este desafio, eu senti que poderia fazer alguma coisa, não apenas pelo distrito de Castelo Branco, mas sobretudo pelo nosso país e pela União Europeia. Eu tenho um sentimento patriótico enorme, mas tenho também um sentimento de defesa da União Europeia enorme. E talvez o momento em que nós estejamos, no presente implique naturalmente que aqueles que querem salvaguardar o projeto de construção da União Europeia não podem recuar, têm que avançar e têm que dizer presentes no momento em que nos lançam efetivamente estes desafios.

 

A sua ligação ao PSD não é recente, no entanto, até à altura das últimas eleições, podemos afirmar que não tinha sido candidata a algo de comparável dimensão a cabeça de lista pelo distrito de Castelo Branco. Como surge esta oportunidade? Esse lugar foi uma condição sua? 

Não. Isso terá que perguntar à direção do Partido Social-Democrata porque é que surgiu o meu nome em cima da mesa. Devo partilhar que eu nunca questionei, ou seja, já estou na Assembleia da República desde março e ainda não surgiu a oportunidade de perguntar porque é que se lembraram de mim. Eu sou efetivamente filiada no Partido Social-Democrata, mas eu nunca exercia a minha militância dentro da estrutura do Partido Social-Democrata de uma forma muito ativa. Eu já tinha aqui uma trajetória política, pelo menos do ponto de vista local e regional, respetivamente. Relativamente àquilo que é o modelo de funcionamento hoje dos partidos políticos, as eleições para concelhias, a apresentação a órgãos concelhios, distritais no âmbito do Partido Social-democrata. Isso nunca tinha acontecido, aliás, como toda a gente sabe, não porque menospreze ou rejeite a importância dos partidos políticos na democracia no atual quadro democrático e no passado, mas porque estive sempre muito mais empenhada e envolvida com a universidade e com a parte da academia.  

 

Entretanto, durante esta campanha, vieram a público algumas acusações de plágio. Como é que encarou estas notícias? Foi um ataque político? 

Naturalmente. Aliás, surgiram três ou quatro dias depois da apresentação do meu nome como cabeça de lista por Castelo Branco. Repare que a minha carreira académica não se tinha iniciado no ano anterior ou há dois anos, eu já dava aulas há 13 anos. Aquilo que surgiu foi que o meu doutoramento tinha dois ou três excertos que tinham sido plagiados. Repare que esses excertos têm o autor, a data, está tudo identificado. Esse ataque surgiu de um e-mail repúblicadasbananas2024@gmail.com, logo após a apresentação da minha candidatura. E naturalmente que eu apresentei queixa na Polícia Judiciária e o processo encontra-se a decorrer porque apenas um órgão de comunicação social deu seguimento a esta denúncia anónima. Todos os órgãos de comunicação social para os quais foram enviados esta denúncia perceberam claramente que eram ataque político do mais vil e mais baixo que existia. Devo lhe dizer que foi algo que me desgastou imenso, foi algo que me fez recuar, pensar em recuar, porque pensei naqueles dias que se seguiram, não, eu não estou para isto, partilhei com vários professores catedráticos da nossa área científica, que eu provavelmente não estaria preparada psicologicamente, nem animicamente para esta dureza que hoje a política e o espaço público enfrentam. E todos eles me disseram para não recuar, disseram sobretudo que este tipo de ataques serviam para desmobilizar e como se diz na tropa, retroceder.  

 

Entretanto, quais têm sido os seus maiores desafios nas diferentes comissões parlamentares que que integra, sobretudo a da defesa nacional em que é vice-presidente? 

Os desafios têm sido múltiplos. Eu, na verdade, sou vice-presidente da Comissão de Defesa Nacional, vice-coordenadora da Comissão do PSD de Assuntos Europeus e sou também membro da comissão de negócios estrangeiros. Tenho estado sobretudo em trabalho na primeira e na segunda comissão. Começando pela primeira comissão, a Comissão de Defesa Nacional, nós enfrentamos vários desafios. Primeiro, como já foi até referido várias vezes, o orçamento que é alocado por Portugal à defesa nacional está claramente abaixo daquilo que é o sugerido e aliás aquilo que foi apontado na Cimeira de Gales pela Aliança Atlântica para todos os Estados membros e que seria os 2%. Ainda esta semana ouvimos o atual secretário-geral da Aliança Atlântica dizer que já não se trata apenas de dos 2% e que este valor terá que ser revisto, provavelmente para 3 ou 4%. Mas o que há necessidade hoje na Europa é de mudarmos a nossa mentalidade, mudarmos para uma mentalidade de guerra. Mark Rutte fala mesmo na mentalidade de guerra. O que é que se passa? O que se passa é que as nossas Forças Armadas em Portugal foram depauperadas e nós confrontamo-nos com necessidades nos três ramos das Forças Armadas, nomeadamente no Exército, na Força Aérea e na Marinha. E, neste momento, encontramo-nos a correr contra o prejuízo. No próximo Orçamento para 2025, já foram corrigidas várias lacunas, nomeadamente ao nível do reforço dos vários suplementos e subsídios para os militares, mas há muito a fazer e o que há a fazer é sobretudo – aliás, e a União Europeia tem apontado nesse sentido -, criar uma indústria de defesa que intercete a nossa investigação e as nossas universidades.Por isso, há aqui três grandes desafios na área da defesa. Por um lado, a capacidade que nós e temos que ter ao nível do recrutamento e retenção de militares nos três ramos das forças armadas. E isto é muito importante, recrutamento e retenção, porque nós hoje temos dificuldade em recrutar, aliás, os ramos têm dificuldade em mobilizar jovens para as forças armadas, mas depois aqueles que mobilizam também tem sido difícil mantê-los, segurá-los lá. Por isso, o primeiro desafio ao nível dos recursos humanos, o segundo desafio ao nível das capacidades. Nós precisamos de ter mais dinheiro para a defesa para podermos capacitá-las com meios mais desenvolvidos. E em terceiro lugar, claro, a indústria, a reindustrialização da Europa pela defesa. 

 

Então, considera que a defesa é um tema sensível a este novo governo? 

Este governo colocou a defesa nacional como uma prioridade, não apenas nacional, mas como uma prioridade europeia e atlântica. E por isso, tem sido tão sensível, naturalmente, àquilo que acompanha, aliás, àquilo que somos obrigados a acompanhar. E naturalmente o fazemos também de forma abnegada a nível internacional pelas alterações que são feitas do ponto de vista geopolítico e geoestratégico que estão a acontecer e estão aqui ao lado. Repare que a perceção da ameaça russa em Portugal não é a mesma que nos países bálticos, na Estónia, Letónia, Lituânia ou se formos para o Norte, por exemplo, para a Finlândia ou para a Suécia, que pedem adesão à NATO já no decurso da agressão russa à Ucrânia, mas nós sabemos que não é possível haver uma Europa social, uma Europa próspera, se não tiver paz. E não há paz, se nós não tivermos a capacidade de dissuadir os nossos inimigos, nomeadamente a Rússia de nos atacarem. 

 

O PSD tem condições para manter o não é não ao Chega… até quando?  

Eu acho que com o atual presidente do partido e com o atual secretário-geral do partido, bem como os atuais protagonistas da Assembleia da República, do Partido Social-Democrata, com os 78 deputados, este não será não até ao fim! 

 

Então vamos às relações internacionais. Olhemos para algo que de certeza vai marcar as Relações Internacionais nos próximos meses ou anos. A eleição de Trump pesa de que forma nos conflitos atuais? 

Olha, eu não tenho uma visão catastrofista nem fatalista da política interna de cada Estado. Tenho uma visão muito mais pessimista, até por causa da natureza anárquica do sistema internacional, comparativamente com a política interna. E por isso, a eleição de Donald Trump, ao contrário do que tem sido dito e veiculado por várias por vários protagonistas da política internacional que será muito negativa para a Europa, será muito negativa para o ocidente, eu não sei, e vamos ter que aguardar até dia 20 de janeiro do próximo ano para perceber sobretudo aquilo que Donald Trump pretende para o sistema internacional. Mas parece-me que, neste momento Donald Trump, vai dar seguimento a um caminho que foi iniciado sobretudo por Barack Obama, que foi a deslocação da política externa norte-americana do Atlântico para o Indo Pacífico. Porque compreende que a maior parte da população hoje vive no Indo Pacífico. Nós temos a China e a Índia, ambas com mais de 1,4.000 milhões de habitantes. Temos efetivamente o desafio tecnológico e espacial que vem sobretudo da China e temos efetivamente o desafio à ordem internacional liberal que vem daquelas atitudes, mas o Indo Pacífico também não é homogéneo, porque aliás, repare que houve uma mudança semântica que não foi apenas semântica, de Ásia Pacífico para Indo-Pacífico. Esta nova terminologia desta zona geopolítica beneficia claramente o Ocidente e beneficia claramente os Estados Unidos e a Europa. Primeiro porque introduz a Índia como um player fundamental nesta região. E depois, porque há outra questão que me parece importante sublinhar, é que a Austrália, o Japão, a Índia, a Nova Zelândia, a Coreia do Sul discutem hoje também a hegemonia regional e poderão ser atores muito relevantes e mais, estes atores estão muito mais próximos dos Estados Unidos e da Europa do que estarão naturalmente a China. Por isso, o que me preocupa sobretudo a nível da política externa a desta nova administração norte-americana é o afastamento da Europa quando nós ainda não temos a guerra na Ucrânia terminada, quando a agressão russa ainda não terminou, quando nós não sabemos quais é que serão os termos da paz para a Ucrânia, quando nós não sabemos se porventura, os quatro oblasts, Donetsk, Lugansk, Zaporizia, Kerson e, aliás e também depois a Crimeia serão suficientes para e Vladimir Putin. Nós não sabemos. Nós não sabemos. E isso também preocupa, por exemplo, a Polónia, que vai assumir a presidência do Conselho da União Europeia agora, dia 1 de janeiro. Há aqui várias variáveis que devem de ser incorporadas numa matriz altamente complexa, mas que, neste momento aquilo que se vislumbra é que os europeus vão ter que ser muito mais responsáveis pela sua própria segurança do que foram até agora, porque nós depois da Segunda Guerra Mundial conseguimos construir uma Europa de paz, de progresso, de bem-estar social, porque na verdade tivemos a umbrela norte-americana que nos protegeu. Ora, se ficarmos desprotegidos, nós temos que efetivamente perceber o que é que temos que fazer, estejamos nós à altura das nossas responsabilidades para o fazer. 

 

Considera que a eleição de António Costa para o Conselho Europeu pode ajudar na mediação das relações com os Estados Unidos da América? 

Eu acho que António Costa tem um perfil político, sobretudo mediador, muito mais do que executivo. Repare que os últimos 8 anos do seu governo, Portugal não teve qualquer tipo de reforma assinalável, não teve a qualquer tipo de progresso digno de registo, mas teve uma capacidade que foi efetivamente de diálogo com os vários protagonistas europeus. Ora, reconhecendo essa capacidade negocial até para ele ser eleito, repare que ele sai de um processo complicado interno e ainda assim consegue a eleição e consegue os apoios necessários à sua eleição. Eu acredito que possa não apenas comprometer e empenhar os Estados Unidos com a Europa. Agora isto também pode ser o wishful thinking, mas eu quero acreditar que António Costa e Ursula von der Leyen conseguem perceber o momento de exigência que vivem e que nós não podemos nunca nos dissociar dos Estados Unidos. Os Estados Unidos não são o inimigo, nem o nosso rival. O nosso inimigo é a Rússia e o nosso rival sistémico é a China. Aliás, a bússola estratégica aponta nesse sentido e o conceito estratégico da NATO 2022 de Madrid também os caracteriza dessa forma. 

 

O que vai ser da NATO a partir de janeiro? 

Vai continuar a existir e vai continuar a sobreviver e todos os Estados membros vão estar muito mais empenhados no seu reforço. A NATO tem uma capacidade que a União Europeia não tem, eu vou-lhe dizer, não é apenas ter os Estados Unidos e o Reino Unido, que a União Europeia também ficou amputada do Reino Unido, mas é ter uma coisa também, é ter a capacidade nuclear destes dois Estados, a França neste momento que é o único país com capacidade nuclear na União Europeia mas não só, é a capacidade de dissuasão face aos inimigos por causa sobretudo do artigo 5º, porque a agressão o Estado membro será sempre uma agressão aos outros 31. E claro que isso é que garantiu a sobrevivência da NATO mesmo no pós-guerra fria. Nós tivemos o conceito estratégico, a readaptação da aliança com o conceito estratégico 1991, 1999, 2010 e agora 2022, ou seja, com o fim da Guerra Fria, nós tivemos quatro revisões do Conselho Estratégico da NATO e a NATO conseguiu provar não apenas a sua vitalidade e a sua necessidade para os Estados membros, como também que era o caminho para evitar as ameaças mais duras, aliás, até redefiniu as ameaças incorporando hoje as alterações climáticas, as migrações, e por isso é que não me parece que NATO entre num processo de decadência que leva à sua extinção. Nem mesmo Donald Trump acredita nisso. 

 

Considera que num processo negocial Zelensky conseguirá algum dia não ceder território à Rússia?  

Eu queria que não e vou-lhe dizer porquê. Porque a cedência de território ucraniano à Rússia é um sinal altamente negativo que a Europa e a NATO dão ao mundo. É um sinal de que quando um Estado tem poder, pode utilizar esse poder para violar o direito internacional público, para violar o direito humanitário e de uma forma imperialista conquistar poder. Isto é o regresso total da anarquia às relações internacionais. Nós vivíamos num clima de anarquia madura e ou amadurecida, porque o direito internacional tinha castrado e os Estados de conquistas territoriais a imperialistas. Porquê? Porque o princípio da integridade territorial e da soberania dos Estados tinha sido inscrito na carta das Nações Unidas em 1945, depois do final da Segunda Guerra. Ora, a cedência ou a amputação da Ucrânia vem mostrar que a lei do mais forte é hoje, ou sobrepõe-se hoje à lei do direito, à rule of law, ao estado de direito, mesmo que ainda num ponto de vista da normativa internacional. E por isso eu queria que isso não acontecesse. Agora, se eu acho que isso vai acontecer, tenho algumas dúvidas. 

 

Se bem me lembro, esteve em Israel numa altura muito inicial do conflito. Compreende as críticas que recebeu nessa visita? 

Não, não foi numa altura inicial do conflito, foi após a agressão, as palavras importam nas relações internacionais. Foi depois da agressão do Hamas, no dia 7 de outubro de 2023 a Israel, tive a oportunidade de visitar alguns dos territórios mais atingidos, nomeadamente um dos kibuts. E devo lhe dizer que aquilo me chocou, aquilo que eu vi chocou-me profundamente. Aquilo que foi feito no dia 7 de outubro chocou-me imenso. Relativamente às críticas que eu recebi por visitar Israel nessa altura, a maior parte das pessoas nem sequer sabia o que é que estávamos ali a fazer, mas na verdade, nós não estávamos a apoiar o governo de Netanyahu. Nós não estávamos ali a impelir o governo israelita para uma resposta como depois viria a suceder. O que estávamos ali a fazer era é sobretudo uma avaliação do que tinha sido feito no dia 7 de outubro. Repare, aquilo que hoje nós também sentimos na Europa em relação a Israel destapa, ou veio pôr a nu muito do sentimento antissemita que ainda existe na Europa. E eu posso não gostar do governo Netanyahu e devo lhe dizer que não gosto, mas tenho o maior respeito, a maior admiração por todo o povo judaico, nomeadamente por aquilo que o povo judaico sofreu na Segunda Guerra Mundial. 

 

E como é que se explica que o conflito continua a arrastar-se sem um cessar-fogo concreto em Gaza? 

Há pouco falávamos de Donald Trump do papel que poderá ter na Ucrânia relativamente àquilo que serão os objetivos de Vladimir Putin. Eu também me parece que Donald Trump pode ter um papel muito importante no Médio Oriente, mas porque é que o conflito continua? Repare que Israel continua a atacar Gaza e mesmo depois de já terem sido mortos alguns dos principais protagonistas do Hamas, mas a Israel continua também a ser vítima de ataques do Hezbollah no sul do Líbano, do Hamas na Faixa de Gaza dos Houthis no Iémen. E neste momento não me parece que quer o atual governo israelita, quer estes grupos terroristas patrocinados pelo Irão, queiram que esta guerra termine. O Irão tem aqui também um papel crucial. O Irão, aliás, e eu tenho dito, provavelmente, se o Irão ou algum destes grupos terroristas, Hamas, Hezbollah e os Hutis tivessem as capacidades militares que Israel tem, Israel já não existia. 

 

E considera que a União Europeia poderia ou deveria adotar uma posição mais interventiva neste conflito em Israel? 

A União Europeia tem tido tido um papel muito importante primeiro, nomeadamente na defesa da solução dos dois estados, que é, aliás, a defesa e a posição do governo português. Relativamente àquilo que tem sido o papel da União Europeia desde dia 7 de outubro, tem sido sobretudo humanitário, mas a União Europeia não tem capacidades militares para fazer outro tipo de coisa. A política comum de segurança e defesa da União Europeia, que tem hoje, capacidade de projeção em vários teatros, nomeadamente em África, na República Centro Africana, na Somália. A União Europeia não está em condições neste momento projetar capacidade militar e operacional para uma missão de peace enforcement. O máximo seria peacekeeping ou peace building. uma solução pós conflito, não de imposição de paz às duas partes. O que tem feito é basicamente o trabalho humanitário e negocial entre as partes. 

 

Considera que há riscos de uma nova divisão do mundo em blocos como na Guerra Fria? 

O mundo já está dividido em blocos. A questão é que na Guerra Fria eram dois e agora provavelmente são mais e aqueles que nós possamos pensar que podem estar juntos, como os BRICs, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, em algumas circunstâncias podem estar juntos e noutras circunstâncias podem não estar. Repare que a União Europeia celebrou na semana passada um acordo importantíssimo com o Mercosul, que estava estagnado já há algum tempo. A Índia e a China, como eu lhe disse no início desta entrevista, a propósito do Indo Pacífico não são um só um bloco homogéneo. Aliás, quanto mais próximo tiver o Paquistão da China, mais afastada estará a Índia da China por causa de Caxemira. Nós temos ali vários conflitos regionais, nomeadamente entre a Índia e a China, que devem ser destapados e explorados para mostrar que esses blocos não são homogéneos. Agora, o que nós vemos hoje é que há uma divisão clara, não em blocos geopolíticos como na Guerra Fria, mas em blocos políticos. E porque é que eu digo isto? Porque são as democracias contra as autocracias. Este é talvez a grande luta dos nossos dias. Aliás, e como eu lhe disse também no início, eu aceitei sobretudo este desafio porque eu, pela defesa das democracias liberais e do universalismo dos direitos humanos, que também têm estado sob ataque por parte do relativismo cultural que há dentro das nossas sociedades. Eu diria que presente, naturalmente.  

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