O Teatro Municipal da Covilhã foi o epicentro de uma experiência singular na noite de 29 de março. “Quis Saber Quem Sou”, peça do Teatro Nacional D. Maria II, não é um musical nem uma peça convencional, é um “concerto teatral”, uma manifestação artística que “desafia convenções e propõe um novo diálogo entre teatro, música e memória”.
O espetáculo começou com um ator-intérprete, numa postura revolucionária, que demonstrou o quão desafiador é romper com o conservadorismo do teatro. “Revolução! Acho que posso usar esta palavra”, exclamou. E foi assim que se abriu o caminho para um concerto onde o público foi convidado a comportar-se como tal: não com o aborrecimento de uma plateia de teatro, mas com a energia de um concerto, onde, segundo os atores, o contacto é mais leve.
No centro de tudo, o coro. Uma massa de gente que, mais do que acompanhar, protagonizava. Vozes que ecoavam poesia, palavras de resistência, de luta e de memória. Entre elas, canções que marcaram épocas como “Que Força É Esta”, de Sérgio Godinho, “Depois do Adeus” e “Somos Livres”, autênticos hinos do 25 de Abril, e também poemas conectados com o tema, como “Nevoeiro” de Fernando Pessoa.

O espetáculo resgatou a força das citações, defendendo que “a citação também é uma arma” e alertando para a repetição de padrões: “Acabamos por nos tornar naquilo que sempre criticamos”. Entre reflexões sobre racismo, feminismo e homofobia, a obra apresentou estatísticas inquietantes: “Em cada 10 portugueses, 2 são fascistas”. No meio da plateia, algumas vozes responderam: “Não passarão!”.
Destaque para a execução de “Depois do Adeus”, cantada diante de um espelho, num momento de profunda introspeção sobre identidade e mudança. “Talha Dourada” trouxe outra mensagem potente: “Sou mais eu quando não tenho medo de ser”.

Como afirmou a atriz Bárbara Branco, “No fundo este texto é sobre um coletivo que se põe em causa, que tenta procurar respostas para descobrir quem é, em que sitio está na vida, no mundo, onde é que se insere. É uma temática que é transversal a todos e de que é cada vez mais urgente falar, porque a liberdade não está garantida, antes pelo contrário, e temos de continuar a lutar por ela, cada vez mais. Temos vários exemplos disso hoje em dia: a qualquer momento tiram-nos direitos básicos, portanto nunca é demais gritar por eles e exigirmos aquilo a que temos direito”.
No final, a conclusão era inquietante: “O pior de tudo isto é que, passados 50 anos, pode mesmo não haver amanhã”. O eco de tantas vozes, tantas histórias e tantas lutas permanece e pede para não ser esquecido. “Quis Saber Quem Sou” não se limitou a relembrar o passado; fez dele um espelho, desafiando o presente e questionando o futuro.
