“Seis e quatro… dez. Não é verdade?” As contas já se fazem pelos dedos na Aldeia Nova, distrito da Guarda. São quatorze as pessoas que ainda hoje residem na pequena aldeia, onde paira um silêncio natural do deserto que ficou.
Depois da placa que indica o “Bem-vindo à Freguesia de Aldeia Nova” é provável que seja cumprimentado por algum dos cães que tomam a as ruas empedradas. Curiosos pela chegada de alguém novo ou importunados pelo visitante com quem se cruzam nas ruas vazias, são eles que fazem o som dos passos ecoar menos.
São estores fechados e portas trancadas, a natureza não tomou a aldeia no sentido convencional. Mas entre o rafeiro pequeno que segue as pessoas e o grande Serra da Estrela que não se move do caminho, somos também seguidos pelos mugidos de uma vaca algures resguardada entre os muros que ainda estão de pé.
Há sinal de pessoas quando vemos as roupas estendidas a esvoaçar pelos estendais e pelos jardins floridos aqui e ali. Um vulto nas janelas e portas entreabertas denunciam vida, mas há uma reserva de quem vê passar pessoas novas.
É o carro de Domitília Tomás e o seu marido que chama a atenção e quebra o silêncio, pois, nem nesta aldeia de risco ao meio se ouve o movimento da estrada nacional que passa por perto.
“Na Aldeia Nova não há quase ninguém!”, diz Domitília com um suspiro e uma risada. Em modo de confissão conta, prontamente, que também ela não mora cá. Vai lá de vez enquanto. No seu cantinho na aldeia há dias em que está com o marido e não vê mais ninguém. Diz que é assim na Aldeia Nova, mas também nas que estão à volta.
Até chegar à aldeia passa se por um deserto verde. A esse juntam-se aldeias que foram desaparecendo e ficando também elas – desertas. “Os velhos morrem, como se costuma dizer, os novos querem outra vida, pronto” é assim que Domitília vê este fenómeno de despovoamento. Para Paulo Meda, tesoureiro da União de Freguesias de Leomil, Mido, Senouras e Aldeia Nova, as razões passam também pela estagnação da encomia local, para lá do envelhecimento que “é como somar dois mais dois, não tem nada que saber”.
Em 2013 as Freguesias autónomas de Leomil, Senouras, Mido e de Aldeia Nova uniram-se por um decreto-lei de reorganização administrativa. Deixaram de preencher os requisitos para serem freguesias autónomas, como Paulo diz, a meio da sua hesitação, “é muito fácil explicar, as aldeias estão a ficar desertas”. A União de Freguesias conta com 140 a 150 residentes. Catorze dessas pessoas são residentes de Aldeia Nova, como João Mendes.
Junta-se à conversa quando ouve vozes novas. Domitília apresenta-o o logo como um dos “moços” que também está cá sozinho. Esteve fora dezassete anos e agora volta à Aldeia Nova. Com o sino a tocar atrás de nós João explica-nos que é complicado, aqui nem consegue ter “um bocadito de conversa”. Aguenta um dia ou dois sem conversa, mas ao terceiro “como é?”, explica o próprio.
Diz que tem um café a cerca de 3.5 quilómetros, no Azinhal, e que passam aqui uns padeiros umas vezes por semana. Entre o pôr a roupa a estender são contadas histórias da terra à frente do terreno que é de Domitília, mas que já está ao abandono. Agora só semeia para ter em casa e lembra-se de quando se sobrevivia da agricultura e se vendia o que se cultivava. Aqui o frio também assusta certas plantações, não é só pessoas.
As espigas de trigo ainda hoje estão na heráldica da União de Freguesias, representam a prática económica que era a agricultura para Aldeia Nova e Senouras. Não há indústria, não há empresas. “É a agricultura que vai subsistindo com meia dúzia de pessoas e quando essas acabarem aquilo morre mesmo”, diz o tesoureiro sobre a situação atual da União de Freguesias. Entre pastores com 500 ovelhas e um casal com 150 vacas Paulo diz que ainda vai “existindo vida”.
Comenta-se a beleza do que nos rodeia. Tudo verde e em silêncio, só as vozes da conversa preenchem a aldeia. Até os cães se expressam pelo olhar. “Tudo abalou” comenta Domitília, ao que João remata “É igual a vós. Abalaram também”. Há uma certa resignação com esta vida. João habituado a esta terra assim e Domitília sabe sempre o que a espera quando volta.
“Temos feito das tripas coração” é a resposta do tesoureiro à pergunta chave “o que é que se pode fazer para ultrapassar o despovoamento”? Fizeram tudo para pôr a internet nas aldeia e alimentação a quem precisa, a Associação Desportiva e Social de Leomil é uma das IPSS, há apoio social ao domicílio e centro dia, e “mais não podemos fazer”.
Mesmo assim, há coisas a celebrar. Vai-se construir um parque infantil para as crianças de Leomil. Diz que são nove as crianças permanentes num sítio em que todas se conhecem e onde ajudam a trazer vivacidade.
Na Aldeia Nova não há crianças, mas também há carinho para dar. “Ele vem sempre a ver, e se estiverem cá os meus netos vem sempre”, diz Domitília sobre o cão que não arreda pé da conversa até irmos embora. Quando saímos da aldeia aparece este amigo da aldeia de osso na boca, feliz a correr por aquelas ruas que também são suas. Certamente, recebeu um presente de João ou Domitília.