Cruzaram-se pela primeira vez quando o estudante José Ribeiro Santos foi assassinado pela polícia política num encontro de alunos em Lisboa. Este momento mudou as vidas de Aurora Rodrigues e Isabel do Carmo, e ambas decidiram elevar a voz e lutar contra o regime.
Aurora Rodrigues veio de um meio humilde, mas encontrou na vida oportunidades de progresso académico. Antes de chegar a magistrada, foi revolucionária. Passou parte dos seus dias nas prisões fascistas, onde vivenciou 16 dias e 16 noites de tortura do sono e sem condições básicas de higiene. Não tinha chuveiro, bidé, escova de dentes nem itens de higiene pessoal. Forçada a sobreviver em condições precárias, passou por episódios de espancamento, resultando em sangramentos e inchaços no rosto. A situação agravou-se quando sofreu um ataque cardíaco durante um espancamento medicamente assistido, no qual monitoravam os limites da sua resistência física.
Aurora explicou as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em Portugal, destacando a sua força e resiliência. Na época em que ingressou na Faculdade de Direito de Lisboa, o cenário para as mulheres era desafiador. As que aspiravam a cargos de magistratura eram desencorajadas por argumentos que questionavam a sua “fortaleza de ânimo. Mas as mesmas mulheres tinham força para serem torturadas. Esta era uma das hipocrisias flagrantes” do regime, segundo a oradora. Essas mesmas mulheres tinham um papel fundamental ao cuidarem das famílias. O seu testemunho pode ser encontrado no livro “Gente Comum”, no qual marca a ideia de que não existem heróis, apenas pessoas com “circunstâncias especiais”, que procuram enfrentar o que consideram incorreto ou injusto.
Já Isabel do Carmo, nascida no Barreiro, viveu num ambiente antifascista porque “nem sabia que havia outro”. Desde nova tinha disputas na escola e chegou a ser alvo de um padre pró-nazi por não ser batizada, como mandava a lei. Mas como a própria diz: “lá me safei e me aguentei”. Sempre foi ativista, mesmo antes do 25 de abril. Nos movimentos estudantis destacou-se por ser a única a ter a glória de falar no estádio universitário. Mas isto porque Isabel teve “lata” e coragem. Até então a figura feminina ficava calada e não se fazia ouvir devido ao medo.
Nos anos 70, fundou as Brigadas Revolucionárias e mais tarde o Partido Revolucionário do Proletariado. Ainda assim, as organizações não eram a sua única forma de luta. Os murais e a escrita eram a sua esperança. Foi presa devido a um panfleto de revolta que deixara na gaveta da Ordem dos Médicos. Apesar de não ter sido torturada como Aurora, suportou a amargura do silêncio “sem relógio, sem papel, sem caneta e um muro em frente no qual passava um soldado”. Algo que para si acarretava “horríveis danos” do ponto de vista psicológico. Para a ativista, o 25 de abril foi a liberdade, mas não foi pensado “em termos de igualdade social”. A Europa ignorava o sofrimento das ditaduras portuguesa, espanhola e grega. O passado das mulheres era “mau e legislativamente mau”.
Uma das participantes nesta conferência, Teresa Correia considera que as histórias de vida de Aurora e Isabel são “um legado importantíssimo que é preciso manter”, sobretudo num momento em que os partidos populistas crescem em todo o mundo. Lembrar este passado de opressão e as prisões da ditadura são formas de defender a liberdade.
No âmbito das comemorações do 25 de abril, a CooLabora promove ainda a exposição “Olhar(es) Real(ais) e com Sentido” sobre a pobreza na perspetiva dos cidadãos e cidadãs.