O porto de abrigo que une o país
O Clã Académico da Beira Interior (CABI) é um ponto de encontro para muitos estudantes universitários deslocados de várias zonas do país, de Aveiro a Lisboa, de Braga ao Algarve. Longe das bases, estes jovens encontraram um lanço inquebrável que os une: o escutismo e o caminheirismo.
Para quem enfrenta o desafio de viver longe de casa, pela primeira vez, o CABI é mais do que um grupo. É um porto de abrigo que permite manter viva a chama do caminheirismo, enquanto se estuda.
Filipa Carvalho, guia do Clã e natural de Braga, resume o objetivo da iniciativa: juntar o escutismo “para quem está longe dele”. Tendo começado a vida de escuteira aos cinco anos, quando viu na catequese um cartaz dos escuteiros, passou por todas as secções. Desde os lobitos, exploradores até pioneiros e caminheiros. Foi assim que o gosto a acompanhou até hoje. Agora prepara as reuniões e organiza todas as atividades durante o ano letivo do grupo, mas confessa que o sentimento de ser estudante deslocada pesa: “Sempre vivi para o escutismo. Sabia que os fins-de-semana eram dedicados ao escutismo. A partir do dia em que vim para a Covilhã, encontrar o clã permitiu não virar costas ao escutismo.”
O ritual de quarta-feira: reza e partilha
A quarta-feira é o dia mais esperado, um verdadeiro regresso a “casa” longe de casa. É quando a religião e as tradições do escutismo se unem. Mas antes de qualquer atividade, não pode faltar a reza.
É através dos jogos quebra-gelo, como o bingo e o “quem é quem,” que os jovens partilham as suas experiências como caminheiros em cada região e fortalecem laços. Contudo, Filipa destaca a importância da Carta do Clã, onde se escrevem os objetivos anuais que se pretendem cumprir ao longo do ano. Pode ser uma caminhada, um acampamento na serra. A assinatura de todos marca o compromisso de fazer acontecer.
Apesar da intensidade dos cursos, a escolha recai sempre sobre o Clã. Carolina Barata, que trocou a cidade de Aveiro pela Covilhã para estudar Ciências da Comunicação, explica a importância do momento de partilha. “Cada um vem com as suas questões, com os seus temas e chega aqui e consegue, de alguma forma, desflorar o tema e aquilo que acredita que possa ser relevante para todos.”
O caminheirismo como “bússola orientadora”
O Clã é um sistema de apoio que transforma o sentimento de ser apenas um “deslocado”. Matilde Alvarino, estudante de terceiro ano de Ciências do Desporto, só se juntou ao CABI este ano por receio de gerir o tempo, mas rapidamente percebeu que “esta era a peça que lhe faltava na Covilhã para afastar o sentimento de deslocada”.
Já é caminheira há mais tempo, mas diz que foi na Covilhã que começou a viver mais e a dar significado ao caminheirismo. Apesar do “sacrifício benéfico” de conciliar estudos e reuniões, este é o espaço onde Matilde consegue ser ela própria, sem o julgamento e desconhecimento de outros colegas que “não sabem valorizar as pequenas coisas da vida”. Quando entrou nos escuteiros, diz ter-se habituado a dar valor ao tempo, à paz, à natureza, aos amigos, à família.”
Ao mesmo tempo, o escutismo ajuda a navegar as incertezas da vida adulta. Leonor Santinho, estudante de Ciência Política e Relações Internacionais, vinda do Algarve, vê o caminheirismo como um guia essencial. Acredita que a quarta secção é crucial para a preparação para a vida, para seguir o caminho certo, sobretudo, no que toca às decisões do dia-a-dia. Trata-se de um ensinamento puro, ou seja, de uma preparação para a vida, é um consolidar o escuteiro com a pessoa que se é.
“Estamos numa idade em que tentamos realmente perceber aquilo que nós somos, aquilo que queremos ser… O caminheirismo ajuda bastante a fazer a escolha certa. É como uma bússola orientadora, uma rosa dos ventos”.
O futuro, o medo da partida e o sentido de missão
Apesar do grupo sentir um maior reconhecimento e poder de voto dos caminheiros a nível nacional, o futuro levanta um dilema pessoal. Leonor confessa que o que mais a marca é a partida no final do ciclo, quando os amigos são forçados a “desistir” ou a ficar como chefes. Ver amigos a “desistir é indescritível”.
Também Matilde teme que o seu futuro no caminheirismo possa ficar comprometido, caso não consiga entrar no mestrado na Covilhã, uma cidade que já considera “casa”. Por agora, o coração diz para ficar e o propósito de vida permanece: ajudar o próximo e ver que estão a mudar a vida de alguém para melhor. O Clã Académico não é apenas um grupo, é a família emprestada que transforma o estudante deslocado em alguém que “se sente em casa” na cidade-neve, não só a partir do escutismo, mas também pela religião e pela música. Mesmo de localidades diferentes, há músicas que trazem união, abraços e emoção.









