O que acontece a uma cidade moldada por e para estudantes quando estes desaparecem? A Covilhã, durante o verão, responde com silêncio, saudade e uma reinvenção constante que tenta equilibrar tradição, economia e identidade local. Entre ruas vazias e eventos populares, a cidade transforma-se, revelando outra faceta de si mesma — mais calma, mas não menos significativa
Covilhã, (fonte – Google Images)
É julho na Covilhã. As ruas inclinadas que serpenteiam pela encosta da Serra da Estrela, geralmente cheias de estudantes apressados rumo aos vários polos da Universidade da Beira Interior (UBI), estão agora silenciosas.
A Praça do Município, coração administrativo da cidade, sente o peso do silêncio. Os cafés e esplanadas, outrora cheios de vida, encontram-se vazios ou com apenas um ou outro freguês habitual. Os cartazes desatualizados de eventos estudantis e as inúmeras placas de quartos “para alugar” compõem um cenário típico desta época do ano.
A Covilhã, com cerca de 35 mil habitantes, acolhe anualmente mais de 8 mil estudantes da UBI. Esta população flutuante representa uma força vital para a economia local. De acordo com dados da Câmara Municipal da Covilhã, estima-se que o impacto económico direto da presença estudantil ronde os 18 milhões de euros por ano.
João Correia, proprietário do Café Montanha, localizado junto ao Jardim Público da Covilhã, sente na pele essa dependência. faz ainda uma comparação engraçada, relativamente à diferença entre as suas vendas com e sem os estudantes. “Durante um mês normal, vendem-se à volta de 20 barris de cerveja. Agora no verão desce sempre um bocadinho, por volta de 12 a 13 barris”.
(figura 1 – João Correia, proprietário do Café Montanha)
João Cunha, estudante do 1.º ano, partilha: “Aqui sentimos que fazemos parte de uma comunidade.” Mas não é só no Café Montanha que as diferenças se notam. Noutro café emblemático para os estudantes, os Leões da Floresta, várias pessoas dizem o mesmo. “A Covilhã no verão parece um deserto, não se vê ninguém aqui nesta esplanada”, refere Miguel Martins, estudante de Marketing. Avisa ainda que “se eu tivesse um café onde a maioria das pessoas que consomem fossem universitários, acho que teria de fechar no verão”.
Leões da floresta, no verão (fonte – Facebook “Leões da Floresta”)
Turismo como salvação: uma cidade em reinvenção
Se por um lado há setores a perder, outros conseguem aproveitar a pausa académica. O turismo, especialmente ligado à Serra da Estrela, ganha fôlego no verão. Guilherme Rodrigues, rececionista no hotel Puralã – Wool Valley Hotel & Spa, afirma: “Os estudantes saem, mas os turistas entram. No verão, juntamente com as épocas festivas, existem sempre mais reservas. Os estudantes normalmente não afetam muito o negócio. Normalmente quem ajuda são os pais, quando há eventos grandes como a latada ou a bênção”.
A cidade aposta nas festas populares, nas praias fluviais da região e na Feira de São Tiago — uma das mais antigas de Portugal, que remonta ao século XIII — para atrair visitantes e animar os meses mais parados.
Os que ficam: entre tranquilidade e resistência
“Quando os estudantes vão embora, nós sentimos logo”, conta a D. Alzira, moradora da Covilhã desde sempre. Com 72 anos, diz, em tom irónico, que já aprendeu a contar os meses em função da presença estudantil. “No verão, é tudo mais tranquilo, os estudantes fazem muito barulho. Mas gosto muito de os ver cantar logo ao início do ano. Só lhes peço para não me voltarem a estragar as plantas que tenho na rua.”
A ausência estudantil altera não só o ambiente urbano, mas também o ritmo de vida dos residentes. Há menos filas nos mercados, mais lugares para estacionar e tempo para redescobrir espaços que, durante o resto do ano, parecem ocupados por outros. “No verão, voltamos a conhecer as caras que passam por nós na rua”, diz Jorge Berrincha, barbeiro há mais de 30 anos. “É como se a Covilhã voltasse a ser uma vila, daquelas onde toda a gente se cumprimenta.”
Contudo, esta tranquilidade não chega sem um preço. Para muitos comerciantes, o verão exige estratégia e sacrifício. Alguns encerram, outros ajustam horários ou reduzem pessoal.
Covilhã: entre identidade académica e alma serrana
Eduardo Henriques, covilhanense a estudar em Coimbra, levanta uma questão pertinente, O verão revela outra Covilhã, habitada por quem a conhece de verdade. Enquanto os estudantes marcam uma pausa, os que cá ficam mantêm acesa a chama da cidade, mesmo que num tom mais baixo. mesmo sem estudantes, deve ser dinamizada. “Se a cidade parar, é pior. Há que puxar por quem cá vive todo o ano e fazer coisas por elas, que também são importantes obviamente.”
A Covilhã é também conhecida pelo seu passado ligado aos lanifícios, pelas paisagens da Serra da Estrela e pelo turismo de natureza.
E a cidade não se deixa adormecer, não faltando festa e animação durante esta altura. Os eventos mais marcantes são os festejos dos santos populares e a famosa Feira de São Tiago. Além destas, há ainda mais mudanças na cidade, como a abertura das piscinas e praias fluviais pela zona, assim como bares e cafés perto delas, para a sua dinamização e aproveitar os potenciais turistas. “Sabemos que o verão representa um desafio, mas também uma oportunidade para valorizar o que é nosso”, afirma Jorge Gomes, assessor do presidente da Câmara Municipal da Covilhã. “Os eventos como os Santos Populares e a Feira de São Tiago são mais do que tradição. São momentos de convívio, dinamização económica e promoção do território. Apostamos também na valorização das zonas balneares, não só para os residentes, mas para atrair visitantes que procuram um verão diferente, no interior.”
No fim de contas, o verão na Covilhã é estranho e familiar ao mesmo tempo. De repente, as ruas ficam mais calmas, os cafés têm lugares de sobra, e a cidade parece abrandar o passo. Sem os estudantes, sente-se um vazio, e quem cá vive nota logo.
Feira de S. Tiago, (fonte – Google Images)
Uma cidade de dois tempos
Mas a cidade não para. Reinventa-se. Troca os cadernos e trajes por sardinhadas, bailaricos e mergulhos nas praias fluviais. Os que cá ficam aproveitam o silêncio, os comerciantes aguentam o embate e a câmara municipal dá vida aos dias quentes com festas, música e atividades ao ar livre. Há menos gente, sim, mas também há espaço para redescobrir a cidade de outra forma.
A Covilhã no verão não é a mesma que no resto do ano. Mas continua a ser a Covilhã: mais tranquila, mais solarenga, mais das pessoas que cá estão o ano inteiro. E enquanto uns partem e outros chegam, ela vai-se adaptando, sempre a meio caminho entre uma cidade universitária e uma cidade serrana com alma própria.