IVA zero, zero impacto

Entre abril e maio deste ano foi implementada a nova lei do IVA zero em alguns produtos alimentares considerados essenciais. Na Covilhã, a medida não teve grande impacto, com um cabaz de bens essenciais a descer em média 1,33 €.

No final de março falava-se já na aprovação da nova Lei nº 17/2023, de 14 de abril, que pretendia ajudar os portugueses a enfrentar a inflação,  reduzindo para zero o IVA dos preços taxados a 6%. A medida entrou em vigor no dia 18 de abril e tem sido vista com desconfiança em todo o país. Mas será que os covilhanenses notaram alguma diferença com a esta medida, quando vivem com um aumento geral dos preços de 20% nos últimos meses?

A 1 de abril foram recolhidos os preços de alguns produtos abrangidos pela medida no hipermercado Continente, na mercearia Amoreira, negócio local, e no Mercado Municipal.

“Ainda não se fala muito disso”, diz Mónica Henriques, proprietária da mercearia, nem da isenção do IVA, nem do impacto nos seus clientes. No entanto, a comerciante começou a fazer contas à vida, enquanto mostra uma fatura que inclui apenas produtos com um IVA de 6%. “Para mim pouco se nota e para o consumidor isto se calhar ainda se vai verificar menos. Numa fatura de cerca de 76 €, o valor de IVA é de quatro euros”, um valor que não parece ser tão grande como se esperava.

A ida semanal ao mercado municipal é algo entranhado em alguns covilhanenses, não passando, necessariamente pela procura de preços mais acessíveis, mas por um costume ou tradição. Sofia Gouveia, produtora e vendedora, revela que agora sente uma certa contenção dos clientes na quantidade dos produtos que compram. Justificam-se que levar menos evita desperdícios, passando-se para a filosofia do “esta semana levo só isto e para a outra logo se vê”. Acrescenta ainda que a grande vantagem dos hipermercados é o “terem lá tudo”, tal como Mónica comenta que os preços deles com promoção são o preço normal do pequeno negócio. Na opinião da comerciante, “andam X tempo a ganhar mais dinheiro para depois colocarem ao preço normal de mercado, ou ao que devia ser o preço normal…E é assim que se fazem as boas casas”, diz.

Mercado Municipal da Covilhã a um sábado de manhã, 2023
Mercado Municipal da Covilhã

Sofia Gouveia não deposita grandes esperanças nesta medida. Como refere, os consumidores não vão notar uma redução dos preços porque são apenas cêntimos. Além disso, no mercado já se arredonda o preço e não há o pesar até ao cêntimo. Na típica corrida de sábado de manhã ao mercado, os visitantes procuram fruta e legumes, por serem frescos e mais baratos, o resto é nos hipermercados.

É isso que se verifica na recolha de preços efetuada: comprar no mercado um cabaz de legumes e frutas é mais barato que comprar o mesmo no Continente e, mais barato ainda, na mercearia Amoreira. Enquanto produtos como as batatas e cebolas ficam mais em conta na mercearia, produtos como bifes de frango e bacalhau saem em média 3,26 € mais caros na mercearia Amoreira.

Em ambos os locais escolheram-se os produtos mais baratos, sendo que no Continente foram analisados vários da sua marca própria, e a diferença foi de 7,44 €, sendo o hipermercado a oferecer um preço mais acessível ao bolso dos consumidores.

Cabaz antes da isenção do IVA.

Passado pouco mais de um mês, e com a lei já em vigor, a experiência repetiu-se. Na mercearia da Amoreira, como em todo o comércio, o IVA desapareceu de algumas prateleiras. Mesmo assim, o consumidor continua sem reparar e a fazer as suas compras de modo igual, com ou sem 6%, diz Mónica. A falta de fé na medida mantém-se, e as pessoas continuam a contar as últimas moedas da carteira.

No mercado, Sofia está rodeada dos seus produtos e o ritmo de vendas mantém-se. Umas bancas à frente, outra vendedora de fruta, Graça Rodrigues, diz que durante a crise muita gente se converteu ao mercado e ao pequeno comércio, pelo menos para estes produtos. Situação confirmada por Elizângela Carvalho. “Mesmo que o IVA pareça não ter descido, aqui há uma diferença relativamente às grandes superfícies”.

Quem regressa todos os sábados ao mercado reconhece que não é apenas pelo preço, mas também pela qualidade. Nos preços, dizem, não notam diferença em lado nenhum.

A realidade mostra que no mercado é possível comprar um cabaz de frutas e legumes para a semana gastando entre 9 € e 15 €. No entanto, os valores desses cabazes aumentaram ligeiramente e, como Mónica explica, esse é o problema pelo qual a redução do IVA não se nota.

Decorrido um mês, e já com o IVA zero, o mesmo cabaz de abril, no hipermercado apresenta uma poupança de 1,87 €, já no caso da mercearia economiza 0,78 €. Há novamente uma diferença assinalável, repetindo-se os produtos mais baratos e os mais caros em cada um dos locais.

Cabaz depois da isenção IVA 0, 2023
Novas etiquetas que acompanham os produtos abrangidos pelo IVA zero

Mónica acrescenta que as grandes superfícies recorrem a técnicas com as quais o pequeno comércio não consegue competir, sejam as etiquetas chamativas por baixo do produto, com um antes e depois da isenção, as campanhas e o maior número de recursos humanos ou a capacidade negocial de estipular preços. “Enquanto comércio tradicional, o nosso único fator positivo é a questão da proximidade, porque de resto…”, desabafa a vendedora. Diz ainda que a localização no centro da cidade é outra vantagem porque a maioria dos seus clientes são idosos.

As diferenças entre as grandes superfícies e o pequeno comércio são muitas, mas no que toca ao IVA zero, a reação dos clientes parece ter sido a mesma: não se notou nada. Esta situação era expectável, uma vez que a redução ocorreu apenas nos produtos taxados a 6%, o que em pequenos volumes de compras tem valor um absoluto pouco expressivo.

 

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