“O futebol distrital é emoção, amor do povo e orgulho da terra“

Fotografia cedida por João Velho - União Desportiva de Belmonte

Foi um dos futebolistas com maior longevidade nos campeonatos distritais da Beira Interior.  João Velho, atualmente com 38 anos, jogou durante 28 anos, a maior parte dos quais dedicados à União Desportiva de Belmonte, o seu clube de coração e o “clube da terra“, onde terminou a carreira no dia 30 de Março. Ao longo dessas quase três décadas, passou pelo SC Covilhã, pelos clubes da Idanha-a-Nova e do Pedrógão, mas também,  jogou no distrito da Guarda ao serviço do Sabugal, do Guarda FC e no Mileu da Guarda. Hoje é docente de Educação Física e treinador das camadas jovens do clube da sua vila natal. O auge da carreira foi a conquista da primeira divisão distrital da Guarda, que permitiu a subida do Guarda FC ao Campeonato de Portugal.

Porque decidiu escolher o futebol e não optou por outra modalidade?

A minha primeira época enquanto federado foi 1997-1998. Estou a falar de uma época totalmente diferente da atualidade, não existia  a oferta desportiva que hoje em dia as várias associações e os vários clubes têm para miúdos de 10 e 11 anos. Eu jogava muito futebol na rua, nas escolas, entre os 5 e os 9 anos já jogava muito na rua. É um desporto que eu adoro, que eu amo muito, gosto de ver, gosto de jogar, gosto de tudo o que envolve o futebol, e tive a felicidade de ter algum jeito para a modalidade. E quando surgiu a oportunidade de ingressar num clube federado, não hesitei , comecei a competir e a apaixonar – me ainda mais pelo jogo.

Foto de João Velho – Equipa de iniciados da União Desportiva de Belmonte em 1999/ 2000

Como conseguiu conciliar os estudos com o futebol? 

Os meus encarregados de educação, principalmente a minha mãe, sempre foram exigentes comigo, dizendo que podia  praticar este desporto que tanto amo, mas o meu principal objetivo tinha que ser os estudos e formar-me para trabalhar naquilo que gosto. Tive a felicidade de ser um excelente aluno, ingressei na Universidade com 18 anos, nunca reprovei nenhum ano, acabei com média de 17, e tive sempre a felicidade de conseguir conciliar com o  desporto. Ia todos os dias de Belmonte para a Covilhã. No meu ano de caloiro jogava cá no Belmonte. No 2ª ano de licenciatura na Idanhense, era mais complicado devido à distância. Consegui concluir, a licenciatura em Ciências do Desporto, e depois tive a felicidade de concluir o Mestrado em Ensino de Educação Física. 

Porque motivo é que escolheu o mestrado em ensino de educação física e não de treinador desportivo, que também é um curso que existe na UBI?

Adoro crianças. Dentro do que é a minha vida profissional, [que inclui] o pré-escolar, atividades extracurriculares, centros de dia, lares, aquele capítulo que mais me preenche o coração é sem dúvida a parte das crianças. Transmitir valores e técnicas às crianças é o que me preenche profissionalmente. Daí a minha escolha por ensino de educação física.   

Nunca pensou desistir do futebol? 

Não, o futebol sempre foi uma das minhas grandes prioridades, é uma paixão de uma vida, jogar, treinar, tudo o que envolve o fenómeno futebolístico, é uma paixão muito grande à qual dediquei, muito da minha vida, a nível de horários, de disciplina. Deixar de jogar nunca foi uma opção.

Sabemos que é treinador dos iniciados do Belmonte. Como é transmitir esses valores a escalões do futebol jovem?

Hoje vivemos tempos diferentes do que era a minha altura. Sou treinador de iniciados, já têm 14 anos, e é uma idade aliciante, uma idade de transição , estão a passar a fase da pré – adolescência e da adolescência e é tudo posto em causa. Alguns valores e a formatação do caráter é nesta altura  [que se formam] e é um escalão que não é fácil, é um desafio. Mas quero fazer dessas pessoas, para além de bons jogadores, melhores pessoas. 

Foto de João Velho – João Velho, treina os iniciados da União Desportiva de Belmonte

Que diferenças é que encontra entre a sua época de formação e os tempos atuais? 

As condições são muito melhores, os relvados sintéticos, o material desportivo, acho que evoluímos muito. Na minha altura as dificuldades que existiam formavam um carácter mais competitivo e mais exigente do que hoje. A facilidade com que a criança atinge um certo tipo de coisas, cria um carácter menos competitivo, quando as dificuldades surgem uma desistência é mais natural do que na nossa altura. 

O concelho de Belmonte consegue atrair mais jovens para o futebol do que na sua época ?

Não,  porque o concelho tem outro clube numa outra modalidade, que é o futsal da União Desportiva de Caria. A oferta desportiva é maior e essa oferta do futsal, em concorrência nos vários escalões com o futebol cria aqui uma divisão e não é fácil encontrar miúdos suficientes para preencher os escalões nas duas modalidades. Temos de trabalhar com o que há, com as crianças que aparecem, é observar se a criança tem aptidão e trabalhá-la. Todas as crianças que aparecem são bem vindas. 

 Qual é projeto desportivo do clube na formação?

Temos um coordenador, que tem trabalhado muito bem quer a nível de publicidade, marketing, para chamar mais crianças, quer a nível de valores. Temos um clube formador,e a equipa sénior é a consequência dessa prioridade do clube. O projeto do clube será sempre alicerçado na formação.

Como é que é jogar num campeonato distrital?

Todos os campeonatos em que joguei tem as suas particularidades. O distrital da Guarda é mais competitivo existe um nivelar das equipas mais idêntico. No distrital de Castelo Branco há uma disparidade entre algumas equipas também fruto das condições financeiras que alguns clubes têm e que outros não, há aqui uma maior clivagem entre as equipas. No distrital da guarda há mais bairrismo, há mais público, logo, torna-o mais aliciante. Aqui em baixo [no distrito de Castelo Branco] tecnicamente as equipas de topo conseguem ter uma qualidade técnica superior às de lá,   mas vive- se menos o futebol, e quanto mais se desce no país mais se nota isso. Existe uma disparidade entre os clubes localizados a Norte em que há mais praticantes e bairrismo, e os clubes localizados a Sul. Apesar de eu adorar o jogo, o distrital é a emoção e o amor do povo e o orgulho da terra, e nota-se isso nos vários clubes onde eu joguei.

Como foi o seu último jogo da carreira ?

O último jogo foi emocionante, uma moldura humana incrível. Eu,não estava à espera de tanto e o meu grande desejo é que nos próximos tempos, todas essas pessoas e toda a população possam apoiar o clube como nesse dia me apoiaram a mim. Desejo que a população continue a apoiar com orgulho o clube que representa todos os belmontenses 

Foto da União Desportiva de Belmonte – Último jogo de João Velho, dia 30 de Março de 2025

Porque é que decidiu terminar a carreira ainda antes da época terminar?

Sempre quis sair dentro das minhas faculdades, não me queria arrastar, queria sair ainda com uma boa imagem. Saber sair, para mim, também é uma virtude e sempre delineei a partir dos 30 que queria acabar bem. Fisicamente já sentia algumas dores a nível das articulações e do joelho esquerdo e decidi que queria acabar onde comecei, queria acabar no clube da minha terra e queria acabar bem, que as pessoas guardassem uma imagem daquilo que eu consegui fazer de bom Então decidi logo no final da época em que fui campeão distrital da Guarda, voltar para casa, terminar em casa, terminar bem.

Também participa em mais atividades na vila de Belmonte?

Tudo o que eu possa dentro do desporto, claro que sim, mas noutros projetos sociais, ou de solidariedade, também. Criei um projeto em homenagem à minha mãe, infelizmente já falecida, que é o “Alice no País das Maravilhas”, uma angariação e doação de roupa a pessoas que necessitem.

O que é que ainda falta fazer a nivel de todos os clubes do distrito de Castelo Branco para tornar o campeonato mais competitivo e mais visível ?

É difícil porque há poucos clubes, o campeonato é curto e há cada vez mais jovens deslocados, que vão para as universidades, daí deixarem de jogar. A maioria, 70 ou 80% dos jogadores, vão para outras universidades, possivelmente arranjam outros clubes lá, e há pouca ligação da formação com o futebol sénior local, pouca competição. Quando passamos a um nível competitivo superior, que é o campeonato nacional de seniores, nota-se essa falta de competitividade, em comparação com outros distritos. Falta-nos matéria humana, condições financeiras e o apoio da população. Temos cada vez menos gente nos campos de futebol.

Nunca houve a oportunidade de chegar a um clube de todo do futebol português ?

Ao longo de toda a minha formação, existiram vários clubes interessados, Sporting Clube Portugal, Leixões, Futebol Clube do Porto, a minha mãe, sempre me disse para ter os pés assentes na terra. Apesar de algumas oportunidades serem vantajosas, ela sempre foi da opinião que seria melhor eu manter-me por cá e manter a minha carreira académica. Foi o que me fez não aceitar estes desafios.

E arrependeu-se ?

 Não. Profissionalmente sou uma pessoa realizada. Faço aquilo que gosto e não me arrependo de ter seguido a carreira académica, tentando conciliá-la sempre com o futebol. 

Enquanto antigo jogador, que mensagem deixa a vila de Belmonte?

Tenho sentido o carinho das pessoas, através de mensagens, vídeos, fotos, testemunhos pessoais, abraços e gestos têm sido imensos.  Alguns até bastante emocionantes e que me tocaram sentimentalmente. Aos habitantes de Belmonte  a única coisa que tenho a dizer é obrigado. 

No futuro vai continuar ligado ao clube?

A minha ligação emocional com o clube não vai terminar. Como treinador não sei se ficarei ligado ao clube ou não. Agora, a ligação emocional permanecerá.

 

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