Francisco Geraldes, o covilhanense que defende o património com determinação

Covilhanense de gema, Francisco Geraldes conhece o património cultural da Covilhã como se fosse a palma da sua mão. Nasceu aqui, em 1941, numa pequena casa de três divisões, ainda dentro daquilo que hoje já não se vê, mas se conhece, as muralhas da cidade.

Entre medalhas e projetos, guarda memórias. Memórias de quem não as quer perder. Conta-as aos quatro ventos, reforçando as suas marcas espalhadas pela Covilhã e, não só. Mas a verdade é uma, boas ou más, todas são contadas pelo próprio. Entre a UBI, obras e descobrimentos, Francisco Geraldes tem muito para dar a conhecer, enquanto desenhista, decorador e projetista, uma panóplia de talentos.

Ainda estava a ditadura em pé, quando, jovem, com pouco mais de 20 anos, se dava a conhecer no pelouro da Cultura na Câmara Municipal. A relação com o município covilhanense nem sempre foi a mais amigável, houve atritos, mas hoje até medalhas recebe pelo trabalho realizado na cidade serrana.

É como quem tem algo na ponta da língua que conta uma história caricata. Uma das muitas que tem para contar. Constata que sempre abraçou o património e “passou maus bocados por defendê-lo”. “Uma vez a Câmara ameaçou meter-me dentro de um buraco, a mim e ao meu filho”, testemunha. Porquê? “Atrás da câmara está lá um arco externo. Fui eu que limpei aquilo tudo com o meu filho, durante oito dias, e a Câmara queria fazer umas casas de banho. Era uma obra importante para o arquiteto da Câmara na altura”. No entanto, para o desenhista não fazia sentido fechar os olhos para àquele arco.

No entanto, esta história não é caso único. Guarda ainda pedaços de pedra picada, no qual constava o seu nome, de uma antiga empreitada. Mas, afinal, de onde surgiram estas pedras? Francisco Geraldes diz que no ano em que se realizaram as obras de remodelação no Pelourinho, foi convidado para “fazer um desenho do mapa do Pelourinho no pavimento”. Aceitou. Com uma condição: “não é só o desenho, faço, também, o traçado da viagem do Pêro da Covilhã”. E assim foi.

Logo após, colocaram, no local, uma pedra na qual se encontrava o nome do autor da obra, isto é, “Francisco Geraldes”. Um ano após a sua colocação, o desenhista veio a saber que retiraram a pedra em sua honra. O motivo? Uma incógnita que paira, até hoje, na cabeça de Francisco, mas a resposta dada foi: “Um equívoco”. A conclusão é simples, o covilhanense nunca soube o real motivo para a retirada da pedra.

Foi de forma sorrateira que entrou, pela primeira vez, na construção daquilo que conhecemos, agora, como a Parada, no polo principal da UBI. Tinha sido uma antiga fábrica de lanifícios e, depois disso, um quartel e estava a erguer-se o Instituto Politécnico da Covilhã. Rondava, então, a primeira metade da década de 70, quando começaram as obras. Francisco Geraldes, já conhecido pela sua estima ao património da Covilhã foi contactado de forma invulgar pelos trabalhadores municipais.

“Oh, apareceram lá umas coisas, uma pedra com ponteira”

Contaram-lhe os funcionários. Mais tarde veio a saber que era o “relógio de sol”. A sede de descobrir o que mais havia entre esses muros levou-o a, junto com o seu filho, Marco Aurélio, a saltar os andaimes e as vedações, em pleno domingo, mas com qual intuito? “Fotografar tudo, para quê? Para pedir classificação disto”, conta, entre risos. Não demorou muito para que recebesse uma chamada de atenção. Prometeram-lhe manter tudo intacto. Não se podia parar a empreitada. “Isto é uma obra importante para aí”, disseram-lhe. Hoje, o próprio concorda, “se não fosse a universidade, a Covilhã, como eu costumo dizer, era uma freguesia de Lisboa, não era nada”. Reforça, ainda, que foi a única vez que fez “marcha-atrás”. Mas admite que “há várias estações arqueológicas importantes que eu não divulguei e, também, diversas coisas de interesse histórico”, em Portugal.

Se há algo que não falha, no que toca ao requisito “ter”, nos artistas, são as suas obras-primas. Para Francisco também há uma principal: “É o meu prédio, tinha eu 29 anos quando fiz o projeto. E, é um bom projeto, um prédio emblemático. Tem uns muros em granito feitos naquela altura à mão a pico fino”.

Há mais destas histórias por contar, algumas encontram-se, num pequeno diário de bolso, mais pequeno que uma simples caneta. Francisco Geraldes mantém-no, todos os dias, consigo. Não nos revela o que lá tem escrito, apenas vemos as letras pequeninas, quase umas em cima de outras, porém promete que um dia será publicado. “Eu trago o meu diário de 1970, nunca me deitava sem fazer o diário. Eu ainda leio isto.”

 

Pode ler também